Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Alexandre recua e derruba censura após constatar que reportagem não é fake news

A decisão foi divulgada depois de o decano do STF, ministro Celso de Mello, reafirmar que qualquer tipo de censura é 'prática ilegítima' e, além de intolerável, 'constitui verdadeira perversão da ética do Direito'

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Vassallo
Foto do author Fausto Macedo
Por Rafael Moraes Moura, Luiz Vassallo, Fausto Macedo, BRASÍLIA e SÃO PAULO

Reprodução  

Sob pressão, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, recuou e decidiu nesta quinta-feira, 18, derrubar a censura imposta por ele há cinco dias a uma reportagem da revista digital Crusoé e repercutida pelo site O Antagonista, do mesmo grupo. O ministro havia classificado o conteúdo como "fake news", mas a Justiça Federal mostrou provas de que era ele que estava errado.

PUBLICIDADE

Documento

INQ 4781 18 abril

A 13.ª Vara Federal de Curitiba informou ao ministro que "realmente existe" o documento citado nas reportagens dos veículos, em que o empreiteiro Marcelo Odebrecht afirma que o codinome "o amigo do amigo do meu pai" se refere ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

A decisão de Moraes de acabar com a censura, no entanto, não interfere na continuidade das investigações do inquérito instaurado pelo STF para apurar ameaças, ofensas e a disseminação de fake news contra ministros do tribunal e seus familiares. A apuração, prorrogada por 90 dias pelo próprio Toffoli, segue em andamento, à revelia do Ministério Público Federal, e deve poupar parlamentares.

Na sua live desta quinta, o presidente Jair Bolsonaro parabenizou o ministro pelo recuo. "A imprensa funcionando, mesmo com alguns percalços, é importante para que seja mantida a chama da democracia. É aquela velha história: melhor uma imprensa às vezes capengando do que sem ter imprensa", disse.

Publicidade

Ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADAO  

O Estado apurou que Moraes entrou em contato com Toffoli antes de revogar a censura. Nos últimos dias, os dois foram bombardeados por críticas disparadas por entidades da sociedade civil, membros do Congresso, da OAB e, inclusive, por integrantes do próprio STF, que condenaram a remoção do conteúdo jornalístico.

A decisão de Moraes foi anunciada duas horas depois de o decano do STF, Celso de Mello, divulgar mensagem em que reafirma que qualquer tipo de censura - mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário - é "prática ilegítima" e, além de intolerável, "constitui verdadeira perversão da ética do Direito".

Celso de Mello ressaltou que, no estado de direito, "não há lugar possível para o exercício do poder estatal de veto, de interdição ou de censura ao pensamento, à circulação de ideias, à transmissão de informações e ao livre desempenho da atividade jornalística". A manifestação influenciou a decisão de Moraes. O ministro Marco Aurélio Mello foi o primeiro integrante da Corte a se levantar publicamente contra a determinação de Moraes.

Decisão. Ao derrubar a censura, Moraes destacou que a Constituição protege a plena liberdade de expressão, "sem censura prévia e com possibilidade de responsabilização posterior" por "conteúdo ilícito difundido". "Foi o que ocorreu na presente hipótese, onde inexistente qualquer censura prévia, determinou-se cautelarmente a retirada posterior de matéria baseada em documento sigiloso cuja existência e veracidade não estavam sequer comprovadas e com potencialidade lesiva à honra pessoal do presidente do Supremo Tribunal Federal e institucional da própria Corte", ressaltou Moraes.

Moraes fundamentara a decisão anterior em nota oficial da Procuradoria-Geral da República, que negava que já havia sido entregue ao órgão o documento com informações de Marcelo Odebrecht - a PGR, no entanto, não fazia, na nota, nenhum comentário sobre a veracidade da reportagem.

Publicidade

Um dia após a publicação da Crusoé, o juiz Luiz Antonio Bonat, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, enviou à PGR a documentação com as explicações de Marcelo Odebrecht sobre codinomes citados em seus e-mails.

PUBLICIDADE

Segundo Moraes, "comprovou-se que o documento sigiloso citado na matéria realmente existe, apesar de não corresponder à verdade o fato que teria sido enviado anteriormente à PGR para investigação".

"Na matéria jornalística, ou seus autores anteciparam o que seria feito pelo MPF do Paraná, em verdadeiro exercício de futurologia, ou induziram a conduta posterior. Tudo, porém, em relação a um documento sigiloso somente acessível às partes no processo, que acabou sendo irregularmente divulgado e merecerá a regular investigação."

A alcunha "o amigo do amigo do meu pai" aparece em e-mails de 2007 apreendidos pela Lava Jato e se referem ao leilão de usina do Rio Madeira. À época, Toffoli era advogado-geral da União do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o "amigo" do pai de Marcelo Odebrecht. A empreiteira não teve seus interesses atendidos no caso. O relatório sobre os e-mails foi feito pelo delegado Filipe Pace.

Repercussão. A Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgaram nota afirmando que a decisão do ministro Moraes "restabelece o princípio maior da liberdade de imprensa". "Nesse episódio, a sociedade brasileira, de maneira quase unânime, mais uma vez demonstrou que repele toda e qualquer forma de censura aos meios de comunicação".

Publicidade

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) informou que "espera que nunca mais a suposta difusão de 'fake news' seja usada como pretexto para restringir o trabalho de jornalistas". O site O Antagonista afirmou que "quem venceu foi a democracia e um dos seus pilares, a liberdade de imprensa". / COLABOROU RENATO ONOFRE

COM A PALAVRA, ANDRÉ MARSIGLIA SANTOS, DEFENSOR DA REVISTA CRUSOÉ

Revogação devolve as publicações ao debate público

O advogado André Marsiglia Santos, das publicações Crusoé e O Antagonista, entende que a decisão do ministro Alexandre de Moraes, de revogar a censura das revistas, foi uma importante vitória da liberdade de imprensa e de expressão. A decisão devolve as publicações jornalísticas censuradas ao debate público de onde nunca deveriam ter saído.

André Marsiglia Santos, do escritório Lourival J. Santos, espera agora o desfecho e o arquivamento do inquérito.

Publicidade