A Polícia Federal afirma ter encontrado provas que contestam a versão do ex-CEO das Lojas Americanas Miguel Gutierrez de que nunca teve conhecimento das “inconsistências contábeis” que deixaram um rombo de R$ 25,3 bilhões na varejista. Os investigadores recuperaram anotações do executivo, manuscritos que indicam “não apenas que ele de fato tinha conhecimento, como acompanhava de perto o principal mecanismo da fraude” investigada na Operação Disclosure.
A defesa afirma que o ex-executivo “jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude”. “A defesa nega veementemente a participação de Miguel Gutierrez em qualquer fraude ou prática de atos para ocultar seu patrimônio, que se encontra estruturado de forma absolutamente lícita e transparente”.
As anotações foram encontradas no iPad de Gutierrez e embasaram a PF no pedido de sua prisão preventiva. Meticulosamente, ele registrava cada movimento à margem da contabilidade oficial da rede, uma sucessão de rabiscos, ora em tinta vermelha, ora em roxa ou preta. Destacava em círculos pontos que elegia importantes. Seu arquivo secreto, afinal, municiou a PF.
A prisão de Gutierrez foi solicitada pelo delegado André Gustavo Veras de Oliveira no dia 23 de junho, quatro dias antes da abertura da Operação Disclosure.
O blog tem publicado os achados da operação desde o dia em que sua fase ostensiva foi deflagrada. Como mostrou o Estadão, o ex-CEO Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez, a ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali e outros ex-executivos da rede venderam R$ 287 milhões em ações antes que fosse anunciado, em janeiro do ano passado, o rombo de R$ 25,3 bilhões no balanço da empresa devido a “inconsistências contábeis”.
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No dia seguinte à abertura da Operação Disclosure, Gutierrez foi preso em Madri, pela Interpol - ele tem cidadania espanhola. Logo em seguida foi solto mediante o cumprimento de algumas medidas cautelares, impostas pela Justiça da Espanha, como a entrega de seu passaporte.
Ao se manifestar pela abertura da Operação Disclosure, a Procuradoria da República sustentou que existem inúmeras provas de que “toda a fraude (na Americanas) era comandada” por Guiterrez.
Na avaliação da PF, os manuscritos do ex-CEO reforçam essa conclusão e ainda põem em xeque a versão dada pelo próprio executivo aos investigadores.
As anotações que a PF resgatou do iPad de Gutierrez versam sobre as operações de risco sacados que não eram apresentadas nos balanços da Americanas, ou seja, ficavam ocultas do mercado. O esquema foi detalhado por dois delatores: Flávia Carneiro, ex-superintendente da companhia, e Marcelo Nunes, ex-diretor financeiro.
Essas operações são uma espécie de empréstimo, que acabaram por alongar o prazo que a Americanas tinha para pagar seus fornecedores, ‘otimizando’ o caixa da varejista.
As operações são lícitas. O problema, no caso da Americanas, era a ocultação dessas operações do balanço da empresa. A própria Comissão de Valores Mobiliários chegou a alertar, em 2016, sobre os “potenciais problemas decorrentes” do lançamento incorreto de tais operações em demonstrativos contábeis.
Os investigadores encontraram, por exemplo, uma anotação de que “o ITAÚ deve alongar” o pagamento do AF (antecipação de fornecedores, sigla que a antiga cúpula da Americanas também usava para se referir à operação de risco sacado).
Em outro lembrete, Gutierrez destacou que a “reação do Santander sobre o risco sacado foi uma reação péssima” e uma “tratativa ruim”. Também foi encontrado um manuscrito de 2020 em que o ex-CEO registra a operação financeira ‘Forfait’, um sinônimo para risco sacado.
“Como se verifica das anotações, Miguel Gutierrez não só tinha pleno conhecimento das operações de risco sacado, como também acompanhava de perto as tratativas de contratação e desenvolvimento delas junto aos bancos. Sendo, portanto, mentirosa a afirmação de Miguel Gutierrez de que ‘nunca chegou ao conhecimento do declarante fatos relacionados às denominadas ‘inconsistências contábeis’”, sustenta a Polícia Federal.
Os manuscritos de Gutierrez foram enfatizados pelo Ministério Público Federal no parecer que concordou com o mandado de prisão do ex-CEO.
Segundo a Procuradoria, as anotações mostram que Gutierrez “não apenas sabia, como falava em “alongar prazo com o Itaú” e que a reação do Santander ao risco sacado teria sido péssima”.
Na avaliação do MPF, os rascunhos de Gutierrez são ‘incompatíveis com a declaração prestada onde afirmava sua ignorância”.
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Operação de Risco Sacado
Segundo os delatores da Operação Disclosure, a operação de risco sacado - mecanismo usado para operacionalização das fraudes de R$ 25,3 bilhões na Americanas - envolvia negociação com os bancos.
Próximo ao vencimento do prazo para pagamento de um fornecedor, a varejista negociava com o banco os custos para que ele fizesse o pagamento diretamente. Esse custo levava em consideração fatores como o prazo para que a varejista quitasse a dívida com a instituição financeira em uma data futura.
Depois o banco pagava o fornecedor com deságio - o custo da operação de risco sacado - e a varejista se acertava com o fornecedor sobre o valor descontado pelo banco, resultando no pagamento do valor integral da nota fiscal.
No caso da Americanas, os investigadores dizem que a operação foi usada para gerar caixa. “Mas para que o mercado não percebesse o passivo decorrente das operações de crédito sacado, as operações não foram registradas como dívidas”, destacou o Ministério Público Federal.
As operações não eram colocadas nos balanços da varejista, o que levava o mercado a acreditar que a situação financeira das Lojas Americanas era “muito melhor do que a realidade”.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE MIGUEL GUTIERREZ
“A defesa nega veementemente a participação de Miguel Gutierrez em qualquer fraude ou prática de atos para ocultar seu patrimônio, que se encontra estruturado de forma absolutamente lícita e transparente. Todos os esclarecimentos têm sido prestados às autoridades, com quem Miguel segue cooperando, para apurar a verdade sobre o caso Americanas.”
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