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Opinião|Amor atemporal

Amor de verdade sobrevive às intempéries e resiste até à morte. Quem ama persevera no amor, ainda que o destinatário de tal sentimento superior já tenha deixado a sua peregrinação terrena

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convidado
Por José Renato Nalini

Tudo o que o mundo precisa é de amor. Este sentimento louvado na poesia, na prosa e na música é uma das carências contemporâneas. Houvera amor e não haveria guerras. Nem conflitos, desentendimentos, ressentimentos e decepções.

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Um amor que deixasse o âmbito exclusivamente pessoal se estenderia à natureza. O tratamento amorável ao ambiente de que fazemos parte evitaria a degradação dos recursos naturais, a morte da biodiversidade, o perigo que ronda a humanidade e que pode encerrar, muito antes do que se poderia prever, a aventura dos racionais sobre este planeta. O único de que podemos dispor.

Vulgariza-se a palavra amor para que ela acolha sensações, instintos, luxúria, volúpia e outras fissuras da natureza humana. Para conforto nosso, a Providência permite que o amor de verdade continue a existir. O amor da fidelidade, do perdão, da compreensão e do respeito.

Amor de verdade sobrevive às intempéries e resiste até à morte. Quem ama persevera no amor, ainda que o destinatário de tal sentimento superior já tenha deixado a sua peregrinação terrena. Não é retórica, mas esse milagre se concretiza na obra do notável Ives Gandra da Silva Martins, que elaborou sonetos para seu amor de toda uma vida e para além dela, a esposa Ruth, falecida em 26 de janeiro de 2021.

O livro “Sonetos de amor para Ruth Ausente” reúne vinte sonetos do livro “A presença de Ruth Ausente”, mais cento e cinquenta sonetos de “A Espera do Tempo”. É o testemunho de sentimento real e entranhado na consciência de um devotado amante, prevalece após a partida da amada.

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Esse amor de marido pela mulher não oculta a profunda convicção religiosa de Ives, que tem a certeza do reencontro, “pois, se Deus não queria que os casais se separassem em vida, certamente não os separará no céu”.

A presença de Ruth ausente está em cada página da primorosa publicação. Na véspera do dia em que Ruth foi chamada para o etéreo, Ives escrevia um “soneto lido para meu amor em seu ouvido”: “Eu sinto o peito tão dilacerado/E uma vontade imensa de chorar/Revejo cada instante do passado/Iluminado pelo teu olhar. A Deus imploro, humilde, a tua cura/Que como Pai conhece o teu destino/jamais o teu encanto e formosura/ Perdeste desde o tempo d’eu menino. Preciso que o milagre Deus conceda/Que voltes desta luta para nós/Andando sempre juntos na vereda/Da vida, como pais e como avós. Já disse que sem ti não sei viver/Pois tu és, para mim, meu próprio ser”.

A fé que alimenta Ives Gandra da Silva Martins o acompanha e é lenitivo. Simultaneamente ao exercício da poesia, em que é dos maiores, continuou o seu apostolado e não deixou perecer a atividade profissional idônea e exitosa. Coerente com suas posições, emite, corajosamente, críticas a quem quer que, a seus olhos, se desvie da ética e da postura compatível com os mais elevados princípios que devem reger o sistema Justiça.

Somente a certeza no cumprimento da promessa de Cristo de que Ele é o caminho, a verdade e a vida, e que este estágio transitório é preparo para a existência integral, junto ao Criador, é que permite ao Ives viúvo reconhecer que “O Tempo Passa”, mas não abala a sua crença.

Esse soneto a Ruth serve para uma substanciosa reflexão a cada um de nós: “Querida, o tempo passa até que fica/Assim aconteceu em nossa vida/Memória do passado faz-se rica/Com o que menos dói tua partida. Voltei a trabalhar e da família/Com carinho cuidar e com afinco/Na casa, vou atrás de tua trilha/Sem ser, como já foi, aquele brinco. A falta que me fazes é brutal/Mas escondo dos outros como posso/Procuro ser em tudo natural/Vivendo neste lar que foi tão nosso. Consola-me pensar que Deus, um dia/Nos unirá de novo, na alegria”.

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Esse depoimento de um cristão apaixonado é a prova de que é perfeitamente possível amar de forma atemporal e, portanto, eterna. Sentir saudades é humano, porém é uma saudade tranquila, ancorada na esperança de que a separação é etapa provisória a quem merecerá o prêmio da glória imperecível, pois infinita.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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