O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista (mais tempo para análise) e suspendeu nesta quarta-feira, 16, o julgamento sobre a quebra de sigilo de históricos de busca na internet.
Por enquanto, não há data para a retomada da votação. O regimento interno do STF prevê prazo de 90 dias para os ministros devolverem os processos em caso de pedido de vista, mas a expectativa é que o caso seja liberado antes disso.
“Devolverei em breve os autos a julgamento”, prometeu André Mendonça ao interromper a votação.
É a segunda vez que o julgamento é suspenso. Antes de André Mendonça, o ministro Alexandre de Moraes já havia interrompido a votação para refletir sobre o caso.
O STF vai decidir se é possível decretar a quebra de sigilo das pesquisas online com base em palavras-chave, sem identificar previamente usuários específicos. Nesse caso, buscadores e provedores serão obrigados a identificar todas as pessoas que tenham pesquisado os termos de interesse.
O pano de fundo do julgamento é a execução da vereadora Marielle Franco, assassinada em um atentado em 2018. O Google recorreu ao STF contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que obrigou a empresa a compartilhar a lista de usuários que pesquisou sobre a vereadora na semana anterior ao crime. O STJ pediu a relação de pessoas que buscaram termos como “Marielle Franco”, “vereadora Marielle”, “agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas” e “Rua dos Inválidos”, último endereço frequentado pela vereadora. A decisão não foi cumprida.
O julgamento tem repercussão geral, ou seja, a decisão do STF vai servir como diretriz para todos os juízes e tribunais nas instâncias inferiores.
Os ministros vêm tentando construir uma tese que preserve o direito à privacidade dos usuários sem, no entanto, amarrar o trabalho dos órgãos de investigação. Há uma dupla preocupação. De um lado, o tribunal busca evitar brechas que permitam a instrumentalização dessas quebras de sigilo para direcionar investigações indevidamente. De outro, os ministros procuram uma solução para não limitar os instrumentos de investigação da polícia. A quebra de sigilo dos históricos de busca é um recurso usado frequentemente em inquéritos sobre pedofilia e pornografia infantil, por exemplo.
Veja como votaram os ministros até o momento
A ministra Rosa Weber (aposentada) foi a primeira a votar. Ela era a relatora do recurso. Rosa defendeu que a Justiça não pode quebrar o sigilo dos usuários de forma generalizada, sem especificar os alvos.
Alexandre de Moraes abriu divergência nesta quarta ao defender as quebras de sigilo, mediante autorização judicial, desde que existam “fundados indícios de ocorrência do ilícito” e seja apresentada “justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados”.
“Uma coisa é uma quebra genérica e arbitrária. Outra coisa é, no curso de uma investigação, com dados concretos, indícios razoáveis, se pretender chegar a um grupo específico que possa ter participado de crimes. São coisas totalmente diversas”, afirmou Moraes.
O ministro também argumentou que o compartilhamento de dados de usuários por provedores e buscadores com as autoridades não significa que essas informações serão divulgadas.
“Não há que se falar em risco aos usuários que não tenham nenhum vínculo aos fatos investigados, porque a própria legislação prevê que aqueles dados que vierem sem nenhum vínculo aos fatos investigados serão inutilizados por ordem judicial durante o inquérito ou a instrução.”
Moraes não poupou críticas às plataformas digitais. Ele afirmou que essas empresas só cumprem decisões judiciais “a fórceps” e quando são ameaçadas com multas.
“Muito me impressiona que o Google entre com mandado de segurança para impedir uma investigação importantíssima sobre o asassinato de uma vereadora dizendo que isso fere a intimidade quando o próprio Google usa dados de todos nós, sem autorização, para mandar para nós mesmos propaganda”, disparou.
Cristiano Zanin acompanhou a divergência, mas sugeriu que o STF reconheça expressamente que a quebra de sigilo só pode ser autorizada se for “necessária, adequada e proporcional”, o que será analisado pelo juiz responsável. “É possível sim que haja esse ingresso na esfera da intimidade do indivíduo se houver ou pairar suspeitas em relação a ele.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.