Imaginem o cenário de um país em que a dívida pública representa 93,3% do PIB, que tem 14,4% da população ativa desempregada, que enfrenta séria ameaça de aumento da inflação, e no qual 65 milhões de pessoas deixaram de receber o auxílio emergencial em função da pandemia, que já custou aproximadamente 320 bilhões de reais, e no qual é provável que a população não seja adequadamente imunizada em 2021.
Um país que viu a inadimplência no ensino superior crescer 30% e a evasão chegar a 10,1% no primeiro semestre de 2020; em que ainda há dúvidas sobre o retorno das aulas presenciais; e em que as matrículas dos novos ingressantes será tardia, já que o resultado do Enem, realizado entre o final de janeiro e o início de fevereiro, será divulgado apenas no dia 29 de março,dando margem a incertezas sobre o ingresso de novos estudantes e certezas sobre o aumento dos custos operacionais.
Um país que vive um aumento dos espaços ociosos, impactando uma nova dinâmica do trabalho e da vida social, sendo que apenas na cidade de São Paulo, especificamente na outrora dinâmica Av. Luís Carlos Berrini, houve uma devolução de 46.000 mil metros quadrados de escritórios, entre abril e setembro de 2020, gerando desemprego e impacto negativo no setor de serviços e de alimentação, entre outros.
Esse país, como nós sabemos, infelizmente é o Brasil.
Mas, se o cenário é ruim para a economia, assim como para o ensino superior, se há um contexto de tempestade perfeita, e 2021 começa com problemas do ano velho, projetando condições para um aprofundamento da crise, o que poderia ser feito nos próximos meses para dissipar a tormenta e fazer renascer a esperança, especialmente entre aqueles que têm como missão formar e capacitar em suas instituições acadêmicas as gerações de profissionais que poderão ajudar o país a viver dias melhores?
Acredito que há algumas atitudes que os líderes e gestores do ensino superior brasileiro podem tomar para evitar que a tempestade anunciada provoque grandes estragos.
A primeira delas é atuar como protagonistas, e de forma propositiva. Não devem esperar que o MEC estabeleça novas determinações na legislação educacional. Aliás, as resoluções do CNE que foram homologadas pelo MEC são bem vindas, pois permitiram flexibilidade, e espero que tenhamos mais autonomia e menos "intervenção". Mas os lideres e gestores do ensino superior precisam atuar de forma coletiva e elaborar propostas de políticas públicas por meio de suas associações, inclusive com a participação do setor público. As carências das políticas oficiais não podem ser justificativa para a carência de propostas abrangentes e estruturais advindas da sociedade civil de forma articulada.
Outra atitude recomendável é atuar fortemente em redes de cooperação, nacionais e internacionais. Marcus Frank, especialista em educação da consultoria de gestão da McKinsey, indicou em recente apresentação que, em média, é possível obter uma redução de custos de 30% através de diversos serviços compartilhados pelas instituições de ensino. O Colleges Fanway Consortium, de Boston, reúne cinco instituições diferentes, com 12 mil estudantes de graduação no total. Entre 2018 e 2019, eles economizaram 4,4 milhão de dólares em compartilhamento de serviços e contratos. Um exercício feito pelo Semesp em 2018, para mensurar o ganho intangível das IES que participam das 13 Redes de Cooperação da entidade, revelou que a economia superou 1 milhão de reais. As redes são uma alternativa para superar as crises.
Além disso, é recomendável rever o modelo e qualificar a gestão das instituições de ensino superior. Aquelas muito hierárquicas, lentas no processo decisório, pedagogicamente convencionais e com visão distorcida e frágil sobre o que está por vir na educação superior não conseguirão responder aos desafios e às demandas da atualidade. É possível implementar novas formas de organização acadêmica e de oferta de cursos que sejam diferentes do modelo que conhecemos. E que permitem engajar o estudante no processo de aprendizado, com uso da tecnologia, análise de evidências, big data e novas formas de comunicação e marketing.
Criar valor e reforçar a identidade institucional também é algo importante. Se a instituição optar por oferecer um ensino superior convencional, é provável que o diploma do seu aluno perca valor. A educação superior tem de fazer sentido, agregar valor e proporcionar encantamento e sintonia com os ideais dos jovens. Por isso, a instituição precisa ter uma identidade e deixar claros seus propósitos e objetivos. Infelizmente, as IES atualmente são mais iguais do que diferentes.
Humanizar a formação dos estudantes e reforçar o papel social da instituição é outra recomendação. Além da capacitação dos estudantes para atuar no mercado, a formação humana não pode ser esquecida. O ensino superior foi e precisa continuar a ser o lugar do debate político, econômico, social e cultural. É preciso recuperar a formação humana, cidadã e ética e respeitar as diretrizes de convivência social. Temas como meio ambiente, aquecimento global, pobreza, racismo, preconceito de gênero, entre outros, devem estar na agenda das instituições de forma consistente. Podemos pagar um alto preço se formamos pessoas sem compromisso social: o preço do fracasso da educação no sentido amplo.
Essas recomendações não são soluções mágicas. São sugestões para o ensino superior brasileiro superar as incertezas e a crise que foramelaboradas a partir de leituras e conversas com especialistas que mostram que o Brasil é um país viável, mas em relação à educação superior precisa de políticas públicas de Estado, e não de governo. E que a superação da crise atual passa pela atuação da sociedade civil e pelas escolhas e atitudes dos dirigentes das instituições acadêmicas Sim, teremos meses difíceis pela frente, mas há boas oportunidades para melhorarmos a educação.
*Fábio Reis, presidente do Consórcio STHEM Brasil e diretor de Inovação e Redes do Semesp
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