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Opinião|Antonio Delfim Netto

O que ele foi para o Brasil em termos de gestor da economia será bem explorado por talentos que esmiuçarão sua política, suas estratégias, seus projetos. Fico na penumbra de um convívio que começou durante os anos sessenta, mais exatamente ao final dessa década. Isso, por uma singular circunstância

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convidado
Por José Renato Nalini
Delfim Netto Foto: Hélvio Romero/Estadão

Perde o Brasil uma de suas maiores inteligências. Erudição adquirida no estudo contínuo e na incansável leitura de livros que colecionou durante toda a sua profícua existência. Chegou a possuir quase meio milhão de exemplares, que ofereceu à USP como legado tangível de seu amor pela palavra.

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Foi por esse motivo que o convidei a ingressar na Academia Paulista de Letras, que já possuíra um bibliófilo, José Mindlin. Modesto, DELFIM declinou do convite. “Não sou literato! Não ostento condições de estar ao lado dos “imortais” bandeirantes!”. E falou sem ironia, com a sua discreta postura de homem que sabia das coisas e que foi o mais poderoso Ministro da República durante largos anos.

O que ele foi para o Brasil em termos de gestor da economia, será bem explorado por talentos que esmiuçarão sua política, suas estratégias, seus projetos. Fico na penumbra de um convívio que começou durante os anos sessenta, mais exatamente ao final dessa década. Isso, por uma singular circunstância. Foi em 1969 que Jundiaí, minha cidade natal, elegeu um prefeito muito jovem, Walmor Barbosa Martins. E ele me convidou para ser seu Secretário.

Passei a vivenciar a realidade de um município que crescia, embora premido entre Campinas e a Capital. E DELFIM NETTO adquiriu ali a Fazenda Gramadão, além de um sítio na Estrada que ligava Jundiaí a Itatiba, propriedade que fora do professor de piano Jayr Accioly.

Com a impulsividade dos jovens, o Prefeito Walmor costumava procurar o Professor DELFIM NETTO para se aconselhar em relação aos rumos da cidade. Invadia os fins de semana do “Condestável da República”, homem tão respeitado quão temido, e eu o acompanhava.

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Quem poderia imaginar que o Ministro concentrador de atribuições que o celebrizaram no mundo inteiro, se dignasse a ouvir questões paroquiais, problemas locais, na verdade algo que poderia para ele representar insignificância? Mas ele sempre foi atento ouvinte e ponderado conselheiro. Lamentável que os alertas, advertências e conselhos não tenham sido registrados, para terem lugar na História da cidade, que faz parte da História de São Paulo e da História do Brasil.

Aprendi a ouvir lições imorredouras pronunciadas por um homem simples, afável, acolhedor. Dotado de um incrível senso de humor. Suas frases célebres passaram à História e, neste período imediato, quando afloram episódios de sua existência para os artigos que se sucederão na mídia, serão lembradas e repetidas.

Mas nada como ouvir as preleções objetivas, concisas e lúcidas de quem conhecia a humanidade e conhecia o saber.

Aprendi com ANTONIO DELFIM NETTO que o poderoso não precisa ser arrogante. Nem se distanciar das pessoas, edificar uma blindagem de segurança inexpugnável. Em seus fins de semana e feriados, estava completamente à vontade, disponível e acolhedor.

Em virtude de aproximação tal, pude acompanhá-lo vida afora. Sempre mereci generosa atenção e continuei a haurir de sua experiência de vida. Nas oportunidades que tive de gerir tribunais, primeiro o Tribunal de Alçada Criminal, infelizmente extinto há vinte anos e depois o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ele foi um esteio. Não se recusava a opinar qual a melhor forma de investimento do orçamento, sempre considerado insuficiente pelos que elaboram a peça orçamentária em níveis ideais. Pretensão em regra mutilada pelo Planejamento e pela Fazenda, embora a Constituição garanta autonomia financeira ao Poder Judiciário.

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Convidei-o a integrar o Conselho Interinstitucional, tentativa de fazer concreta a participação popular na administração da Justiça. Novamente declinou, colocando-se à disposição para sugerir a tópica na gestão do maior Tribunal do Brasil e do mundo, esse gigantesco equipamento de solucionar controvérsias, ora a completar seu sesquicentenário.

Aquiesceu em conceder entrevista à Uniregistral, o braço acadêmico da ARISP, na convicção de que preparar profissionais para o setor extrajudicial é missão pela qual todo homem público deve contribuir. Humilde em sua grandeza, um gigante capaz de conciliar estudos acadêmicos com a insaciável curiosidade que o levou a conhecer todos os pensadores da economia e da política produzidos até sua era, ANTONIO DELFIM NETTO já era um relevante capítulo da História da República, que agora merecerá os retoques dos historiadores capazes de reconstituir sua instigante trajetória. Se o Brasil fica sem sua lucidez, lamento ficar sem sua generosa e prestimosa acolhida.

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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