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Opinião|‘Apesar de você, amanhã há de ser outro dia’: 35 anos do fim da censura no Brasil

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convidado
Por Alberto Paulo Neto*
Páginas censuradas do 'Estadão', em 1974 Foto: Acervo Estadão

A censura é definida como um ato proibitivo de um órgão estatal, na esfera do executivo ou do judiciário. Hoje, é bastante recorrente a discussão sobre a censura ou a proibição da livre manifestação da liberdade de expressão, um tema que também passa pela análise histórica do nosso país, tendo em vista que ocorre desde o período colonial até o período da redemocratização e se tornou mais explícita durante a ditadura militar.

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Na prática, censurar alguém, um órgão ou uma instituição, é proibi-lo de se manifestar seja por meio de um texto, de uma música, de uma expressão artística ou de qualquer outro modo que alguém possa pronunciar suas ideias ou convicções. Na história do Brasil, nós tivemos diversos tipos de censura. Por exemplo, a censura no período colonial sobre alguns livros e obras que não correspondiam à religião oficial da época e, mais recentemente, a censura institucionalizada pelo governo ditatorial militar. 

No período de 1964 a 1983, o Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, atuava na censura e proibiu determinadas atuações, livre manifestação de ideias, músicas ou expressões artísticas, que contrariavam o interesse do estado vigente. Em qualquer estado ditatorial ou totalitário em que órgãos estatais, seja por meio do agente executivo, judiciário ou legislativo, proíbe que os cidadãos e cidadãs manifestem suas queixas ao governante ou que façam críticas, constitui-se a censura. Então, ser censurado é ser impedido de usufruir da sua liberdade, seja política, religiosa ou cultural. Não é bom que qualquer estado democrático tenha um órgão que atue continuamente censurando seus cidadãos, porque isso impede o processo de aprendizagem democrática e da compreensão da diversidade e da pluralidade de opinião. 

Em um cenário onde se fala muito sobre liberdade de pensamento, de expressão e de que maneira a atuação do judiciário favorece ou impede o uso da nossa liberdade, conhecer mais sobre a censura é de suma importância. Na sociedade em que vivemos, uma sociedade tecnológica, muitas vezes se faz necessário que a figura do poder judiciário atue de forma extraordinária restabelecendo a ordem democrática para  impedir que falsas notícias, as fake news, sejam propagadas, já que podem causar maior dano do que sua livre permissão.

O desenvolvimento democrático de um Estado não deve ser cerceado, deve ser favorecido com a liberdade, mas devemos ter certeza e conhecimento, porque há regras a serem seguidas também no que se refere a fornecer e propagar informações não-verídicas ou usar os meios de comunicação de modo indevido. Isso se refere sobretudo às redes sociais na propagação de ideias, de convicções, que devem ter como objetivo sempre o entendimento com o outro.

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Então, se nós avaliarmos o contexto de redemocratização que estamos vivendo hoje, nós temos muito a caminhar. O Brasil ainda tem que aprender por meio dos seus representantes, nós, brasileiros, a como agir democraticamente, como permitir que o outro tenha seu espaço de fala, sem medo ou repressões. Nós temos debates políticos que envolvem censura no país, mas se olharmos o tema da censura de forma mais ampla, podemos usar para outros espaços: religioso, étnico-racial, que também são censuradas ou proibidas determinadas manifestações públicas ou mesmo privadas. Pensar a longo prazo no desenvolvimento do Estado democrático de Direito é pensar o uso da nossa liberdade para o bem coletivo, o bem comum, social, não para a perpetuação de uma determinada perspectiva ideológica, um viés político, religioso, porque a democracia se nutre pelo uso da nossa liberdade para o bem comum. 

Juridicamente, a censura foi encerrada, saiu da ordem, mas é possível observarmos, na prática, agentes do estado de uma maneira mais veemente coibindo determinadas manifestações, até mesmo órgãos policiais. O que resta a partir do horizonte da constituição nos seus 35 anos é ter um espírito democrático em que possamos dar espaço àqueles que possuem opiniões diferentes para que se manifestem no espaço público, mas que tenham o mesmo compromisso de ouvir os que discordam e tentar chegar a um consenso, a um entendimento sobre princípios comuns. 

Alberto Paulo Neto Foto: Arquivo pessoal

No mês em que relembramos os 35 anos do fim da censura estabelecida pela nossa Constituição Federal, é importante refletirmos sobre a ideia jurídica, as normas e as leis que fazem acontecer, na prática, um relacionamento mais democrático entre os cidadãos de maneira que as pessoas não se  sintam proibidas de exercer sua liberdade, desde que não seja de forma desrespeitosa, preconceituosa, discriminatória ou que impeça outra pessoa de usar sua livre expressão, liberdade de pensamento ou de consciência.

*Alberto Paulo Neto, doutor em Filosofia e professor de Ética, de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

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