Apesar do avanço com a edição, nesta terça-feira (25), da Medida Provisória (MP) 1.182/2023, que libera as chamadas "apostas esportivas", a implementação das apostas de quota fixa ainda deverá demorar um pouco para se concretizar, dado que a forma como será materializada ainda dependerá de regulamentação específica do Ministério da Fazenda, conforme artigo 29, parágrafos 2º e 4º da Lei n.º 13.756/18, com redação dada pela mencionada MP.
Dependerá ainda de regulamentação o prazo para efetiva coibição da propaganda em sítios eletrônicos de sites de aposta que não detenham a outorga do Ministério da Fazenda (art. 33-B, parágrafo 5º).
Por outro lado, o Banco Central deverá disciplinar e implementar meios para impedir pagamentos destinados a sites de apostas esportivas ilegais (sem a outorga prévia do Ministério da Fazenda).
Dependerão de regulamentação pelo Ministério da Fazenda, ainda, as medidas mitigadoras à manipulação de resultados e de corrupção em eventos esportivos -- comuns em jogos de futebol e pauta de recorrentes escândalos. O agente operador deverá reportar qualquer suspeita de manipulação ao Ministério da Fazenda em até cinco dias do conhecimento de qualquer ato suspeito.
A alteração do art. 23, da Lei nº 13.756/2018, dispõe que a regulamentação da destinação dos recursos oriundos das apostas de quota fixa será previamente submetida ao Conselho Nacional do Esporte e aprovada por ato do Ministro de Estado do Esporte.
Ponto importante a ser observado é que a MP 1182/2023, apesar de colocar a cargo do Ministério da Fazenda o poder de fiscalizar a legalidade da operação de sites com temática esportiva, na prática não indicou ainda quais mecanismos serão seguidos para coibir as atividades ilegais de empresas que não detiverem a concessão da União Federal.
A MP veda a realização de publicidade e propaganda de sites de apostas esportivas (quota fixa) que não detenham a outorga do Ministério da Fazenda, bem como determina que as entidades do esporte proíbam em seus regulamentos que organizações e atletas vinculem seus nomes e marcas a empresas que operem de forma ilegal (sem a outorga).
Apesar do avanço na tentativa de coibir a atuação ilegal de empresas que, muitas vezes, sequer repassam os valores aos apostadores, a MP não indica quais meios (físicos e materiais) serão utilizados para garantir a fiscalização destas atividades - na prática, a publicidade de empresas que operam de forma ilegal é muito mais rápida que o poder de fiscalização dos órgãos públicos.
Por outro lado, em que pese a capacidade efetiva do Estado em realizar a fiscalização ainda não estar clara - depende, inclusive, de regulamentação, conforme art. 35-F, inciso V da Lei n.º 13.756/18 -, as penalidades previstas para as empresas que continuarem operando sites de apostas esportivas de forma ilegal são bem altas, medida necessária para efetivamente coibir referidas atuações. Sabe-se que o mundo das apostas esportivas movimenta bilhões ao ano e a imposição de penalidades baixas não seria suficiente para inibir estas operações ilegais no país.
Mostrando preocupação social com o impacto psicológico que a expansão legal deste tipo de atividade pode causar na sociedade, a MP determina que os operadores deverão criar código de conduta e desenvolver ações informativas de conscientização sobre os transtornos patológicos que o vício em jogos de azar pode causar. O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) terá um papel importante neste ponto, dado que poderá estabelecer recomendações e/ou restrições importantes sobre a forma como os sites poderão realizar suas ações de marketing, observando a necessidade de alertar os usuários dos riscos a que eles estão sujeitos com o uso da ferramenta.
A MP direciona 1,63% do valor das apostas (após pagamento do prêmio e dedução do Imposto de Renda) ao Sistema Nacional do Esporte e aos atletas brasileiros em contrapartida pelo uso de sua imagem (nome, marca, apelido) para divulgação de execução de loteria de aposta de quota fixa (art. 30, parágrafo 1º-A, inciso III da Lei n.º 13.756/18).
Porém, a forma como isso se dará e, de fato, chegará às mãos dos jogadores ainda não está clara: a MP indica que o Ministério da Fazenda ainda irá regulamentar não somente a forma de concessão de autorização do uso das imagens destes atletas e clubes, mas também a forma de repasse destes valores.
A MP dispõe que o serviço poderá ser delegado por meio de concessão, autorização ou permissão. As duas últimas formas, no entanto, não se amoldam ao serviço que o governo federal pretende delegar. Isso porque autorização e permissão são atos unilaterais e precários da Administração Pública, o que significa a flexibilidade para o Poder Público alterar/encerrar a terceirização do serviço, sem obrigação de indenizar o particular.
Essa precariedade característica da autorização implica a assunção de riscos altos com prazo curto para satisfação econômica, retorno este que não se pode garantir no caso da exploração das apostas de quota fixa, em que ainda não se sabe qual será o comportamento do apostador, nem como as empresas ilegais irão atuar ou, ainda, quais valores serão despendidos no âmbito da exploração.
*Danielle Franco é head de Direito Administrativo no GVM Advogados
*Anna Florença Anastasia é especialista em Direito Administrativo e Licitações no GVM Advogados
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