Viver impõe agruras. Dificuldades e sacrifícios. Expectativa inarredável de vicissitudes que nos acompanham nesta efêmera e frágil passagem pela Terra. Como suportar os obstáculos sem desespero? Pensar em nossa condição ínfima e insignificante perante os mistérios da eternidade.
O mundo existiu durante milhões de anos, e não estávamos aqui. Alguém sentiu falta de nós? Daqui a pouco mergulharemos naquilo que ainda não experimentamos. Depois de um tempo, ninguém se lembrará de que um dia estivemos aqui.
A consciência da insignificância nos deveria tornar humildes. Por que essa busca de fama, de glória, de celebridade, até de dinheiro em excesso, se não temos controle sobre nada? Sequer com o momento da partida, quantas vezes sem despedida, sem cuidar da sucessão, sem dizer a alguém o quanto essa pessoa foi amada?
Tais reflexões residiram sempre na consciência de seres mais sensíveis. Àqueles para os quais a superficialidade e a ignorância é um verdadeiro dom, não interessa meditar sobre o que não conhecem. Continuarão na busca ininterrupta de bens fungíveis, do que é acessório, do que significa pouco.
Sêneca, o romano que soube conciliar o sentido especulativo da cultura grega com o pragmatismo de sua gente, se preocupou bastante com esse tema. Para ele, o caminho da sabedoria começa com a aprendizagem da alegria. Numa carta a seu amigo Lucílio, ele diz: “desejo que jamais te falte a alegria. Quero que ela seja abundante na tua casa. E o será, se estiver dentro de ti mesmo. Quando a alegria tem outra origem, não enche o coração; só desenruga a fronte; é frívola, a menos que consideres o riso como prova de alegria. O atributo da alma é o de estar alerta, segura, pairando acima de todos os acontecimentos”.
Interessante, para não dizer instigante, essa observação de que “a verdadeira alegria é coisa severa”. É não se iludir com as aparências, não esquecer a morte, controlar os instintos, exercitar-se em suportar os sofrimentos aos quais todos os humanos estão sujeitos.
Esse treino requer aprofundamento da consciência. Sêneca compara a garimpagem da alegria à busca do ouro nas minas. Nem sempre ele está à flor da terra. As pepitas mais cobiçadas “são aquelas cujo veio, embora fundo, saberá corresponder mais plenamente à tenacidade do mineiro. As satisfações nas quais se compraz o vulgo oferecem um prazer medíocre e superficial; de resto, toda alegria vinda de fora é falta de base”. A verdadeira alegria “é sólida e só floresce interiormente”.
O segredo é dispersar e pisotear “os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o verdadeiro bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti”.
A melhor parte dos humanos não está no corpo. Ele é um colaborador indispensável, objeto necessário para que possamos respirar, caminhar, circular pelo planeta. Todavia, não é o parceiro mais importante. Este se encontra na mente. O corpo costuma procurar “os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento, quando deixa de observar o justo limite”.
Não é fácil chegar ao “justo limite”. Principalmente numa era de narcisismo, exacerbado individualismo, competitividade e incessante requisição para tudo o que o mundo celebra. Não é suficiente estar nas redes sociais para poder trocar mensagens com amigos queridos fisicamente distantes. É preciso ter milhares, senão milhões, de seguidores!
Esses “influencers” são felizes? Ou estão comparando os rankings e se preocupando com a oscilação da turba cuja fidelidade busca o exótico, o novo, o mais ridículo ou o mais chocante?
Raciocinar sobre o que é a verdadeira alegria ajuda a descobrir se estamos no caminho certo ou se nos desviamos dele. Pode ser que isto não interesse a muitos. Mas aqueles que tiverem ao menos uma noção da falácia dos bens da vida que se propalam no mundo virtual e atormentam as mentes vulneráveis, poderão detectar o que de fato vale a pena, e corrigir a rota desta vereda que nos conduz ao tudo – para quem crê – ou ao nada, para quem não crê.
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