O mandato de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) encerra nesta terça-feira, 26, depois de quatro anos marcados por polêmicas. Indicado fora da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) por Jair Bolsonaro (PL), Aras tem sido alvo de críticas da oposição ao ex-presidente por supostamente protegê-lo ao não dar andamento a denúncias como as investigações da CPI da Covid ou indícios de corrupção na saúde e educação durante o governo anterior.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não indicou um sucessor para o principal cargo do Ministério Público. Seja qual for o nome, ele será o responsável por pedir a abertura de investigações contra o próprio Lula, como Aras foi para Bolsonaro.
Entre especulações sobre a recondução de Aras ao posto e dúvidas se Lula seguirá a lista tríplice da Associação dos Procuradores, o cargo deverá ser ocupado interinamente pela subprocuradora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos a partir da quarta-feira, 27.
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Quem deve ocupar a cadeira de Aras na PGR?
Tradicionalmente, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) elege três nomes do Ministério Público Federal e apresenta essa lista tríplice para que o presidente escolha, entre eles, quem deve ocupar a cadeira da PGR. O ex-presidente Bolsonaro tornou-se o primeiro a ignorar essa prática quando, em 2019, indicou Aras, que não estava na lista, para substituir a procuradora Raquel Dodge. O ex-presidente fez o mesmo em 2021, ao reconduzir o PGR para o cargo. Há indicativos de que Lula seguirá o mesmo caminho.
Em março deste ano, o presidente disse em uma entrevista que a escolha para a PGR será pessoal. Já em julho, o líder do PT no Senado, Jaques Wagner (BA), afirmou que “não tem lista para a PGR, a decisão é do presidente Lula”.
Um grande destaque entre nomes fora da lista é o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet, que foi sócio do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Ele é defendido por Gilmar e também por Alexandre de Moraes. Os dois já conversaram com Lula sobre o assunto, mas saíram do Palácio da Alvorada sem nenhuma pista.
Gonet defendeu a inelegibilidade de Bolsonaro no histórico julgamento do TSE em junho, afirmando que o ex-presidente fez investida ‘ardilosa’ contra a democracia.
Como mostrou a Coluna do Estadão, outro nome que disputa o cargo é o do subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelo oferecimento das denúncias criminais contra os manifestantes do 8 de Janeiro, quando as sedes dos Três Poderes em Brasília foram atacadas.
Especula-se ainda a possibilidade de Lula indicar o procurador Antonio Carlos Bigonha, pianista e compositor que já teve canções gravadas por Nana Caymmi. Como mostrado pelo Estadão, ele aparece como um favorito da cúpula do PT para ocupar cadeira de Aras e é e amigo de José Genoino e José Dirceu.
Lista tríplice
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) anunciou os nomes escolhidos para a lista tríplice ainda no final de junho. A eleição promovida pelo grupo teve como eleitos os subprocuradores-gerais da República Luiza Frischeisen (647 votos), Mario Bonsaglia (636) e Nicolao Dino (587).
Tanto Luiza Frischeisen quanto Mario Bonsaglia já ocuparam o primeiro lugar de listas tríplices encaminhadas à Presidência da República durante o mandato de Bolsonaro. Luiza foi a primeira escolha da classe em eleição realizada em 2021. Bonsaglia, em 2019. Em ambos os anos, o então presidente ignorou a indicação e colocou Aras na PGR.
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Outra possibilidade, já mencionada por integrantes da cúpula do governo, é a recondução de Aras ao cargo. Jaques Wagner chegou a elogiar o procurador na ocasião em que disse que a decisão de Lula não dependeria de lista. “Prestou importante serviço ao Brasil”, disse o senador. A ideia é criticada por aliados de Lula e por outros membros do governo. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que uma possível recondução do PGR seria um “desastre”.
Suposto alinhamento ao governo Bolsonaro
Durante seu período à frente da PGR, Aras sofreu duras críticas dos opositores de Bolsonaro sobre um suposto favorecimento ao então presidente. Ao indicar o procurador, Bolsonaro chegou a dizer que ele seria a “rainha” no xadrez de seu governo. Na prática: a peça mais poderosa na defesa do “rei”.
A Procuradoria-Geral da República é, pela lei, a única entidade com o poder de oferecer denúncias contra um presidente e, sob comando de Aras, o órgão chegou a arquivar mais de 100 pedidos de investigação contra Bolsonaro.
Entre eles, estavam os pedidos originados na CPI da Covid, que investigou a conduta de Bolsonaro durante a crise da pandemia. Aras também realizou apenas “procedimentos preliminares” em casos em que havia indícios de corrupção na saúde e educação, por exemplo.
Mesmo em seu próprio ambiente, o chefe do Ministério Público Federal enfrentou contestações. Procuradores da cúpula da instituição o questionaram frequentemente sobre seus métodos na condução da PGR em tempos beligerantes.
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Depois da posse de Lula, Aras fez acenos ao governo atual, enfatizando seu trabalho para “enfrentar e desestruturar as bases do lavajatismo”, responsável pela prisão do presidente, além de reforçar que a PGR foi ativa, ainda que “estrategicamente discreta”, na proteção da democracia.
Aras responde às críticas afirmando que a PGR não é um órgão político e que foi incompreendido: ‘Nossa missão não é caminhar pela direita ou pela esquerda”. “Os desafios, avolumados com o advento da pandemia, foram adicionalmente cercados por incompreensões e falsas narrativas, dissonantes com o trabalho realizado”, afirmou, em artigo publicado no Estadão na edição de sábado, 23.
“Parte das incompreensões deve-se à equivocada expectativa de o Ministério Público protagonizar ou mesmo apoiar projetos partidários”, acrescentou o PGR, em sua última semana no cargo.
Leia o artigo de Augusto Aras no Estadão
Em seu artigo, Aras também destacou o que avalia importante em sua gestão à frente da Procuradoria. ‘Substituímos o modelo precário de forças-tarefa por 27 Gaecos federais, os quais atualmente vêm conduzindo mais de 200 investigações complexas. Firmamos 37 acordos de colaboração premiada, negociamos o pagamento de mais de R$ 5 bilhões em multas, abrimos dezenas de novas investigações, denunciamos responsáveis por crimes diversos: corrupção, tentativa de abolição do Estado Democrático, organização criminosa’, relatou.
Indicou ainda ações no período da pandemia de Covid 19, narrando que ‘uma experiência inédita de coordenação nacional e conexão intra e interinstitucional salvou milhares de vidas, inclusive com a destinação de mais de R$ 4 bilhões. Evitamos a judicialização de milhares de casos, sem descuidar do combate aos desvios de recursos públicos. Tivemos um papel destacado nos momentos mais críticos da pandemia, como a falta de oxigênio em Manaus’.
Aras apontou também ‘um olhar firme na defesa da dignidade da pessoa humana, especialmente das mulheres, gestantes e lactantes’. A PGR instituiu a Ouvidoria Nacional da Mulher e lançou o Movimento Nacional em Defesa das Vítimas. ‘Fomos os promotores de uma campanha de combate ao discurso de ódio da mesma forma que combatemos abusos e defendemos o Estado Democrático de Direito’, afirma ainda o procurador.
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