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Opinião | Arbitragem: capítulos que marcaram 2024

Dentre os acontecimentos mais relevantes, alguns capítulos importantes chamaram mais a atenção. Foi proferida a primeira e histórica sentença do país que concluiu pela obrigatoriedade do uso do árbitro de emergência quando previsto pelas partes em cláusula compromissória constante de contrato de concessão

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convidado
Por Gabriel de Britto Silva

O ano de 2024 foi muito proveitoso quanto ao crescimento cada vez maior da informação e aculturamento da sociedade relativamente ao uso dos métodos adequados de pacificação de conflitos, especialmente, a arbitragem.

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Dentre os acontecimentos mais relevantes, alguns capítulos importantes chamaram mais a atenção. Acompanhe.

1) Uso do árbitro de emergência é obrigatório quando previsto pelas partes em cláusula compromissória

Foi proferida a primeira e histórica sentença do país que concluiu pela obrigatoriedade do uso do árbitro de emergência quando previsto pelas partes em cláusula compromissória constante de contrato de concessão.

O juízo da 8ª Vara Federal do Distrito Federal proferiu sentença, publicada no dia 06/02/2024, de extinção do processo sem julgamento de mérito em sede de mandado de segurança preventivo com pedido liminar impetrado por uma concessionária de aeroporto. O Judiciário concluiu que o contrato de concessão possui cláusula compromissória que, não só prevê a arbitragem para a solução de controvérsias quanto ao referido contrato, mas também prevê o uso do árbitro de emergência quando houver a necessidade de medidas cautelares ou de urgência antes de formado o tribunal arbitral. Processo nº 1117223-68.2023.4.01.3400.

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2) Comitê Brasileiro de Arbitragem concluí que a probabilidade de ter uma sentença anulada é de apenas 0,99%

No dia 19/03/2024, foi debatido em evento na FGV Direito/SP, os resultados da pesquisa realizada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr, divulgada no dia 22 de novembro de 2023, envolvendo os dados sobre as ações anulatórias de sentenças arbitrais proferidas em arbitragens com sede em São Paulo.

O estudo se pautou nas anulatórias distribuídas e julgadas pelas varas especializadas em direito empresarial e arbitragem da Comarca de São Paulo entre março de 2018 e novembro de 2022.

Valendo das mesmas câmaras arbitrais que integram a pesquisa “arbitragem em números” elaborada anualmente pela professora Selma Lemes, e, pautando-se no mesmo período e sede de arbitragem, o estudo do CBAr identificou que foram proferidas 606 sentenças arbitrais, em face das quais foram distribuídas 17 ações anulatórias, sendo 6 foram julgadas procedentes no todo ou em parte. O número de anulatórias é baixo (2,8%: 606 x 17). A probabilidade de ter uma sentença anulada também é diminuta (0,99%: 606 x 6).

3) Pesquisa sobre a possibilidade de despejo na via arbitral

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No dia 26/07/2024, foi publicada no Valor Econômico pesquisa de minha autoria, de 01/01/2023 a 22/07/2024, tendo como objeto a possibilidade de despejo na via arbitral. Em 2023, tivemos 16 julgados dos Tribunais favoráveis ao despejo na via arbitral e 05 desfavoráveis. Em 2024, tivemos 08 julgados dos Tribunais favoráveis ao despejo na via arbitral e 03 desfavoráveis, sendo todos do TJ-SP, em 2024, favoráveis.

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A pesquisa foi feita, via site Jusbrasil, com a busca por “despejo” + “arbitragem”. 32 casos totais incluindo 2023 e 2024. 2023: 5 desfavoráveis e 16 favoráveis. 2024 (até 22/07/2024): 3 desfavoráveis e 8 favoráveis. Se formos olhar, por exemplo, só o TJ/SP: 2023: 1 desfavorável e 4 favoráveis e 2024: zero desfavoráveis e 4 favoráveis.

As decisões favoráveis entendem como possível a ação de despejo tramitar na via arbitral, de modo que concluem pela extinção do processo judicial sem julgamento do mérito, com base no art. 485, inc. VII, do CPC, ante a existência de convenção de arbitragem. Considerando que a ação de despejo é uma ação com comando duplo, de resolução contratual e de ordem de desocupação, cabendo ao árbitro analisar se é caso de resolução ou não e, caso seja, e não for purgada a mora, determinar a desocupação, que, se não cumprida espontaneamente no prazo determinado, fará com que seja necessária a expedição de carta arbitral para que o juiz de direito dê efetividade ao capítulo de sentença relativo à desocupação. Embora o árbitro não possa realizar a execução direta, os atos de expropriação e desapossamento, pode realizar a execução indireta, a exemplo da aplicação de multas e astreintes. O árbitro pode dar comando com conteúdo executivo, mas não tem o poder de dar efetividade a ele em caso de não cumprimento espontâneo.

As decisões desfavoráveis entendem que não é possível a ação de despejo tramitar na via arbitral, pelo fato do acórdão do STJ ter seguido a linha.

Porém, o caso específico levado ao STJ não se refere ao comum dos casos das ações de despejo de praxe. O caso julgado pelo STJ referiu-se a locatário que havia abandonado o imóvel locado sem realizar o devido pagamento. Neste caso, fruto do abandono, o contrato de locação já estava resolvido de pleno direito. Não havia litígio a ser dirimido na via arbitral quanto à possibilidade de resolução contratual ou não. Só restava dar efetividade a ordem de imissão na posse, via poder de império exclusivo do juiz de direito. Além disso, o processo foi autuado no STJ no ano de 2014, ou seja, antes da reforma da lei de arbitragem de 2015, através da qual foram ampliados os poderes cautelares e de urgência dos árbitros.

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4) Há litispendência entre ação anulatória de sentença arbitral e sua impugnação através da qual é pleiteada a anulação

O Superior Tribunal de Justiça concluiu que há litispendência entre ação anulatória de sentença arbitral e impugnação ao cumprimento de sentença arbitral através do qual é pleiteada a anulação da sentença arbitral (REsp 2105872/RJ, publicado no dia 09/02/2024).

Segundo o STJ, “por previsão expressa no art. 33, § 3º, da Lei nº 9.307/1996 (…) a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral não se limita às matérias de defesa previstas no art. 525, § 1º, do CPC, sendo possível também requerer “a decretação da nulidade da sentença arbitral (…) o fato de a impugnação não consistir em uma ação de conhecimento propriamente dita não impede, por si só, a ocorrência de litispendência, pois basta que seja um meio processual apto a obter idêntico resultado ao outro processo já instaurado”. No caso posto a julgamento, o recorrido ajuizou “ação anulatória de sentença arbitral em 18/11/2019 às 19:07h”. E, “na mesma data, poucos minutos após a distribuição deste originário foi ofertada impugnação ao cumprimento de sentença arbitral”. Por consequência, considerando essa peculiaridade do caso concreto, o STJ pontuou que “a caracterização da litispendência não tem o condão de extinguir a presente ação, tendo em vista que ela foi ajuizada em momento anterior à apresentação da impugnação”.

Assim, a declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada tanto via ação autônoma declaratória de nulidade de sentença arbitral, conforme art. 33, § 1º da lei de arbitragem, ou ainda via impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, simples meio de defesa na fase executiva, na forma do art. 33, § 3º.

Logo, o mesmo pedido de anulação e sob a mesma causa de pedir pode ser feito através de ambos os caminhos e através deles pode-se alcançar o mesmo resultado. Desta forma, sendo a lide a mesma, independente do meio pelo qual tramita, irrecusável a necessidade de extinção sem resolução de mérito da via de anulação levada à Juízo posteriormente, em observância à litispendência, art. 485, V, do CPC.

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5) Comentários às Diretrizes do Comitê Brasileiro de Arbitragem sobre o dever de revelação do árbitro

Foram publicados os “Comentários às Diretrizes do Comitê Brasileiro de Arbitragem sobre o dever de revelação do(a) árbitro(a) – CBAr”. Link: https://cbar.org.br/site/wp-content/uploads/2024/05/diretrizes-cbar-sobre-dever-de-revelacao.pdf

Tratam-se tanto as diretrizes como os comentários de balizadores práticos cotidianos eficazes do dever de revelação dos árbitros.

6) CPC não se aplica de forma subsidiária ao procedimento arbitral

No dia 23/08/2024 foi publicado o REsp 1851324/RS, através do qual o STJ concluiu que o CPC não se aplica de forma subsidiária ao procedimento arbitral.

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Tratou-se de ação anulatória de sentença arbitral sob o fundamento de suspeição/impedimento do tradutor, considerando que o preposto da requerida do procedimento arbitral atuara como tradutor por ocasião da oitiva de duas testemunhas de nacionalidade chinesa na AIJ, fato apto a comprometer a imparcialidade do tradutor na forma do art. 138, IV, do CPC, aplicável no silencia, se forma subsidiária ao procedimento arbitral.

Porém, se concluiu de forma unânime que, “não se aplica o CPC de forma subsidiária à arbitragem”, a qual é regida pelas convenções, pelo compromisso arbitral, pelo termo de arbitragem e pelo regulamento de arbitragem. Foi apontado que “cabe ao árbitro definir o modo como a prova será produzida” e que “a produção da prova testemunhal tal como estabelecido no regulamento da CCI e na ata de imissão ajustada não guarda nenhum paralelo com o processo judicial regido pela lei processual”. Foi destacado ainda que “ficou convencionado que a parte que arrolasse a testemunha deveria auxiliá-la na elaboração da declaração testemunhal, algo incogitável no processo judicial”. Por fim, foi dito que: “as regras do CPC não foram escolhidas pelas partes para reger o procedimento em exame, a ele não se aplicando nem sequer subsidiariamente”.

O julgado do STJ é exemplar e histórico. A autonomia da vontade das partes é princípio basilar da arbitragem, de modo que a liberdade e flexibilidade das partes em convencionarem sobre a forma de produção da prova é ampla. Na via arbitral, deve-se observar apenas o que dispõe a lei de arbitragem, o regulamento de arbitragem da câmara privada eleita e o termo de arbitragem estabelecido em consenso. Os filtros externos se restringem ao respeito ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório e à igualdade das partes. Não se enquadrando o CPC neste conjunto normativo, a sua aplicação somente poderá ocorrer caso as partes, no termo de arbitragem, assim estipulem quanto às lacunas e omissões. Do contrário, no silêncio das partes, as hipóteses omissas serão supridas pelo entendimento do árbitro ou do tribunal arbitral

A omissão do árbitro em revelar às partes fato que possa denotar dúvida quanto à sua imparcialidade e independência não significa, por si só, que esse árbitro seja parcial ou lhe falte independência

No dia 21/06/2024, através do REsp 2101901/SP, o Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão sobre os limites do dever de revelação dos árbitros.

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A Ementa assim dispôs: “4. Cabe às partes colaborar com o dever de revelação, solicitando ao árbitro informações precisas sobre fatos que eventualmente possam comprometer sua imparcialidade e independência. 5. A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, ainda que não haja prejuízo de posterior exame do Poder Judiciário competente, nos termos do art. 33 da Lei da Arbitragem. 6. A imparcialidade do árbitro é questão de ordem pública, logo, pode ser discutida a qualquer momento, devendo ser observada a boa-fé por parte de quem o alega. 7. A análise do Poder Judiciário sobre a imparcialidade do julgador não é matéria de mérito, mas sim pressuposto processual subjetivo de validade. 8. A omissão do árbitro em revelar às partes fato que possa denotar dúvida quanto à sua imparcialidade e independência não significa, por si só, que esse árbitro seja parcial ou lhe falte independência, devendo o Poder Judiciário avaliar a relevância do fato não revelado para decidir a ação anulatória. 9. O fato não revelado apto a anular a sentença arbitral precisa demonstrar extinguir a confiança da parte e abalar a independência e a imparcialidade do julgamento do árbitro. Para tanto, são necessárias provas contundentes, não bastando alegações subjetivas desprovidas de relevância no que tange aos seus impactos”.

Felizmente, o STJ vem se mostrando um grande guardião do sistema arbitral no país, sendo insignificante o número de anulatórias acolhidas. Trata-se de um julgamento emblemático e muito esperado pela comunidade arbitral. Um julgamento desfavorável poderia comprometer a higidez e credibilidade de toda a arbitragem no país.

Ficou categoricamente decidido que o dever de revelação não é um fim em si mesmo e, ainda, que não se pode permitir que fatos irrelevantes para fins de violação de imparcialidade e independência do árbitro sejam trazidos só após decisão desfavorável, com o objetivo de renovação de todo o procedimento arbitral pelo perdedor.

7) Força cogente da arbitragem nas relações locatícias

Através de acórdão publicado no dia 09/12/2024, o TJ-SP concluiu pela força cogente da arbitragem nas relações locatícias (Apelação Cível nº 1008618-78.2023.8.26.0011 – TJ/SP, 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo).

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A Ementa dispôs: “APELAÇÃO. LOCAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Sentença de procedência dos pedidos reformada. Pagamento de valores atinentes à reforma após desocupação do imóvel pegos pelo locatário autor diretamente à locadora, sem a necessária intermediação da plataforma corréu. Locação intermediada por uma plataforma. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. É lícita a instituição de cláusula compromissória nas relações de consumo, desde que, a um lado, não seja compulsória e, a outro lado, seja redigida em documento anexo ou em negrito, bem como em destaque, com assinatura ou visto especial, nos termos do art. 51, VII e art. 54, §§ 3º e 4º, ambos do CDC, e do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/1996. Arbitragem que não significa negação da justiça. Locatário que, no caso concreto, não se desincumbiram do ônus de comprovar qualquer violação aos referidos preceitos legais. Assinatura em campo especialmente destacado. Possibilidade de escolha de mais de uma câmara arbitral. Ausência de provas de que, durante as negociações, ou quando da assinatura do contrato, tenha a cláusula compromissória sido exigida de forma compulsória às partes. Reforma da sentença com extinção do feito, sem resolução do mérito. Art. 485, VII, CPC. RECURSO DA CORRÉ PROVIDO. RECURSO DA PLATAFORMA CORRÉ PREJUDICADO”.

Tal julgado consolida a segurança jurídica quanto à inclusão das cláusulas compromissórias nos contratos locatícios celebrados no país.

8) Arbitragem no novo Código Civil

A proposta substitui a expressão “o juiz” por “o juiz ou o árbitro” em vários artigos. A proposta também indica a inclusão do termo “arbitral” em artigos que atualmente mencionam apenas o processo judicial. A arbitragem é incorporada, por exemplo, na interrupção da prescrição (art. 202, I) e nas deliberações condominiais (art. 1.325), além de ter sido prevista a arbitragem como opção nos contratos sociais (art. 997, IX).

9) Instauração de procedimento arbitral é causa de interrupção do prazo prescricional

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O Superior Tribunal de Justiça, através do REsp nº 1981715, publicado no dia 20/09/2024, decidiu que a instauração de procedimento arbitral constitui causa de interrupção de prazo prescricional, mesmo antes do advento da lei nº 13.129/2015.

Através de ação anulatória, foi sustentada a nulidade da sentença arbitral sob a justificativa de que apenas com o advento da Lei nº 13.129/2015 passou a existir a previsão da instituição do procedimento arbitral como causa de interrupção da prescrição.

Porém, o STJ concluiu que a iniciativa da parte em buscar a tutela dos seus direitos, ainda que sem a intervenção estatal, é suficiente para encerrar o estado de inércia, mesmo antes da Lei nº 13.129/2015. O prazo prescricional interrompido pela arbitragem volta a correr a partir do último ato do processo arbitral. No caso posto à julgamento, o STJ concluiu que a interrupção do prazo ocorreu com a primeira arbitragem e voltou a fluir após o trânsito em julgado da ação declaratória de nulidade da sentença arbitral.

10) Brasil como sede da Corte Permanente de Arbitragem

No dia 12/12/2024, o Senado aprovou o PDL 386/2022, que ratifica acordo internacional, assinado em 2017, para que o Brasil seja uma das sedes da Corte Permanente de Arbitragem. O projeto, que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados.

A Corte Permanente de Arbitragem atua arbitrando disputas entre Estados, bem como controvérsias entre investidores e países. O fundamento para a realização do acordo deve-se ao fato do aumento do número de arbitragens internacionais quanto ao Brasil.

Que o ano de 2025 siga com a consolidação da formação da cultura do estudo e uso da arbitragem como ferramenta adequada para solução de litígios de forma especializada, célere e segura, visando à entrega de um serviço útil e eficiente às partes litigantes.

Convidado deste artigo

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Gabriel de Britto Silva
Advogado, árbitro e participante da comissão da arbitragem da OAB/RJ, do IBRADIM e da ABAMI. Foto: Arquivo pessoal
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