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Opinião | Arbitragem no Brasil e o foco no dever de revelação

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convidado
Por Andréa Seco*

A Lei de Arbitragem brasileira foi elaborada à luz de padrões internacionais, tendo sido inspirada na “Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional” elaborada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Internacional (UNCITRAL). Em suas mais de duas décadas de existência a arbitragem se mostrou um instrumento de sucesso que viabiliza a solução de disputas empresariais de forma muito mais rápida, menos burocrática e especializada, além de ter aberto caminhos para outros textos legais normatizarem o instituto não somente na esfera do direito privado, como também na do direito público, são exemplos: a Lei 13.105/2015, que incorporou a possibilidade da utilização da arbitragem (e de meios autocompositivos) no Código de Processo Civil e a Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), que regulamenta o instituto nos contratos administrativos.

Andrea Seco Foto: Foto: Tadeu Brunelli

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Vale lembrar que a arbitragem é um processo alternativo, extrajudicial e voluntário, contratualmente estabelecido entre pessoas físicas e/ou jurídicas, de direito privado e/ou público, capazes de contratar, no âmbito dos direitos patrimoniais disponíveis, sem a tutela do Poder Judiciário, cuja decisão final tem força executória perante os tribunais.

Ao longo dos anos a arbitragem aumentou exponencialmente no Brasil, sendo que em um intervalo de uma década os novos casos aumentaram 600% nas principais câmaras arbitrais do País e apresentaram um índice de satisfação superior a 90% de seus usuários que apontam como principais benefícios deste tipo de processo: o caráter técnico e qualidade das decisões, tempo de solução do conflito de forma definitiva muito mais eficiente que o Judiciário, além da possibilidade de indicar e participar da escolha de um árbitro [1].

A par deste sucesso, sendo o árbitro uma figura central no procedimento, responsável por conduzir o conflito com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição é exatamente sobre esta figura que o assunto vem se mostrando em certa medida tormentoso no Brasil nos últimos tempos.

Historicamente a Lei da Arbitragem foi alvo de uma reforma positiva através da Lei 13.129/25, fruto do trabalho contributivo desempenhado pela comunidade arbitral e por uma comissão de juristas junto ao Senado, que trouxe refinamento a questões práticas importantes ao procedimento arbitral ao mesmo tempo que afastou a necessidade de revisões ou ajustes do texto legislativo em torno do dever de revelação daqueles que atuam como árbitros.

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Nesse contexto, sendo o Brasil um país com vertente litigante acentuada, observou-se que com o aumento das arbitragens foi crescente também o número de ações no Poder Judiciário visando anular sentenças arbitrais, advindo daí decisões pontuais acatando tais pleitos com fundamento na existência de violação do dever de revelação e/ou quebra da imparcialidade, independência do árbitro do caso.

Embora tais decisões judiciais mereçam e devam ser vistas como verdadeiras exceções dentro da realidade da prática arbitral, tal movimento gerou duas iniciativas principais visando impactar aspectos relevantes das arbitragens no Brasil. A primeira delas é o projeto de lei n° 3293/21 que em seu bojo propõe limitações ao exercício da função de árbitro, além de alterar o dever de revelação impondo a este uma obrigação de declarar – sem trazer parâmetro ou critério – qualquer fato que denote “dúvida mínima” quanto à sua independência e imparcialidade.

A segunda iniciativa foi o ajuizamento no Supremo Tribunal Federal pelo partido político União Brasil de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1.050 na qual se questiona diversos posicionamentos significativos a respeito da jurisdição arbitral, mais especificamente sobre os critérios constitucionais do exercício do dever de revelação pelos árbitros.

Nesse sentido a ADPF argumenta e traz discussões, entre outras, inerentes a quem cabe o dever de revelar, o conceito de “dúvida justificada”, se as hipóteses legais de suspeição e impedimentos de juízes seriam taxativas na arbitragem, a existência ou não de preclusão para arguir a falha no dever de revelação do árbitro quanto à sua independência e/ou imparcialidade entre outras.

Embora ambas as frentes estejam estacionadas em seus tramites atualmente, na comunidade arbitral muito se tem debatido sobre a pertinência e até mesmo validade e aspectos legais de tais iniciativas, uma vez que a tentativa de modulação de parâmetros da forma como colocadas não encontra eco ou mesmo similaridade com as melhores práticas internacionais arbitrais.

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Importante ter em mente que a arbitragem é um mecanismo de solução de conflitos mundialmente difundida e praticada, sendo um importante elemento propulsor de segurança jurídica nas relações comerciais e contratuais internacionais em um mundo cada vez mais globalizado em que uma solução rápida, eficaz e especializada conduzida de acordo com critérios e parâmetros mundialmente aceitos são fatores de absoluta relevância para posicionar o Brasil como um país reconhecido e respeitado em tal prática.

Portanto, é fundamental que o Legislativo e o Judiciário brasileiros conduzam, antes de tudo, um debate amplo e especializado sobre a matéria e tenham a absoluta consciência e sensibilidade na condução das frentes abertas visando a alteração de preceitos estabelecidos e mundialmente aceitos na arbitragem que, se levadas adiante, poderão ter efeitos absolutamente negativos pois dissonantes das melhores práticas internacionais e, via de consequência, afastar investimentos e imputar aos agentes privados e públicos nacionais que fazem uso da arbitragem em seus negócios ainda maiores entreves e perda de competividade na condução de seus negócios.

NOTA:

[1] Dados obtidos através do estudo Cbar e Ipsos disponível em pesquisa-cbar-ipsos-2021-arbitragem-no-brasil.pdf

*Andrea Seco, sócia de Arbitragem e Contencioso Estratégico do escritório Almeida Advogados; mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa

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