Como nos alerta anualmente o Conselho Nacional de Justiça, em seu tradicional relatório “Justiça em Números” , concluiu que o Judiciário brasileiro se encontra assoberbado por um volume exorbitante (e crescente) de processos. Alguns dados trazidos neste relatório são sintomáticos, e merecem ser destacados.
Cite-se, a título de exemplo, que o STJ demorou 18 anos para atingir, em 2007, a marca de 1 milhão de processos recebidos e julgados. Não obstante, em 2022, após apenas 15 anos, o STJ atingiu a marca de 2 milhões de processos recebidos e julgados. O que se constata é um aumento no número de casos distribuídos e processados.
Na Justiça Comum, o relatório revela um tempo médio de duração de processos de 6 (seis) anos. Contra a Fazenda Pública, este prazo tende a aumentar, considerando o sistema de precatórios que. Alguns Estados, a exemplo do Rio de Janeiro e do Tocantins, estão pagando, em 2024, precatórios incluídos em orçamentos de anos anteriores.
A matéria tributária responde por aproximadamente 40% de todos os processos em tramitação no Brasil. São R$ 5,44 trilhões em disputa, o que equivale a 75% do PIB, com base em dados de 2019.
Sobre o tema, o Justiça em Números conclui que, historicamente, as execuções fiscais têm sido apontadas como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário.
Exsurge, assim, imperiosa a busca por soluções para redução da litigiosidade, mormente na seara tributária.
Daí advém, diga-se de passagem, o sucesso crescente da transação tributária. Publicada em 2020, regulamentada pela Portaria PGFN n° 6.757/2022 e pela Portaria RFB nº 247/2022 , a Lei nº 13.988/2020 (que dispõe sobre transação tributária) é uma inovadora ferramenta de consensualidade entre Fisco e Contribuinte. De acordo com o relatório “PGFN em Números 2023″ , R$ 14,1 bilhões foram transacionados.
Malgrado ainda não haja regulamentação no Brasil, uma alternativa que se mostra promissora é a arbitragem tributária, que proporciona um mecanismo de resolução de disputas especializado, ágil e alinhado com as tendências globais.
A arbitragem no Brasil recebe um marco legal em 1996, com a edição da Lei nº 9.307 (Lei de Arbitragem). Mesmo com a base normativa, a arbitragem ainda patinava ante a ausência de segurança jurídica. Após chancela de sua constitucionalidade pelo Judiciário, a arbitragem ganhou fôlego, se consolidou, e hoje se mostra como uma tendência entre os métodos alternativos de resolução de conflitos.
Em 2015, a Lei de Arbitragem sofreu importantes alterações para expressamente estabelecer a possibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública Direta e Indireta para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Trata-se de festejado avanço que pavimentou o caminho para ampliação da utilização da arbitragem no Brasil.
Em 2022, em meio à mencionada crise do Judiciário, foi publicado o Ato Conjunto n° 01, de 2022 , de autoria das Presidências do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, instituindo no Senado Federal a Comissão de Juristas (CJADMTR), composta membros proeminentes do cenário tributário brasileiro, objetivando apresentar anteprojetos de proposições legislativas tendentes a dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional.
Dentre as diretrizes da CJADMTR, destacam-se a “garantia dos princípios do devido processo legal, observância da razoável duração do processo, eficiência, segurança jurídica, proteção da confiança”, além da implementação de parâmetros para métodos extrajudiciais de autocomposição e maior definição dos procedimentos e processos aplicáveis ao contencioso tributário administrativo e federal.
A CJADMTR teve um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para desenvolver seus trabalhos. Ao final deste período, do trabalho desta comissão, resultaram dez interessantes Projetos de Lei , dos quais se destaca, para fins deste artigo, o Projeto de Lei nº 2.486/2022 , que dispõe sobre arbitragem em matéria tributária e aduaneira.
O Projeto de Lei nº 2.486/2022 tem como objetivo principal a utilização de arbitragem para promover a prevenção e a resolução de litígios envolvendo matéria tributária e aduaneira, tanto em fase pré-contenciosa quanto contenciosa. Sua aplicação é prevista para um rol abrangente de sujeitos, incluindo União, Estados, Municípios, Distrito Federal, conselhos profissionais e a Ordem dos Advogados do Brasil.
O texto que está em discussão, ainda pendente de análise da Câmara dos Deputados, prevê que a Fazenda Pública estabelecerá o rol de hipóteses gerais em que a arbitragem poderá ser utilizada, definindo critérios de valor, fases processuais administrativas ou judiciais em que a arbitragem será permitida, procedimentos para apreciação do requerimento de arbitragem e regras para escolha da câmara de arbitragem.
A minuta legislativa veda a arbitragem por equidade e a arbitragem sobre a constitucionalidade de normas jurídicas ou discussão sobre lei em tese.
Também merece destaque a proposta de redução de multas para incentivar a opção pela arbitragem, promovendo a prevenção do litígio.
O PL busca modernizar a resolução de disputas em matéria tributária e aduaneira, oferecendo um método adequado ao contencioso administrativo e judicial tradicional, com potencial de agilizar as resoluções e reduzir a litigiosidade no setor fiscal.
Aprovado no Senado Federal no dia 17/06/2024, a proposta segue agora para tramitação na Câmara dos Deputados.
Interessante notar que, em Portugal , a arbitragem tributária surgiu a partir do agravamento das contas públicas, e do assoberbamento do judiciário fiscal, além de ter sido precedida pela regulamentação da arbitragem no âmbito do Direito Administrativo. Este aparenta ser o atual cenário do Brasil, sendo certo que a regulamentação de mais um método “alternativo” de resolução de litígios tributários poderia contribuir para o desafogamento do Judiciário.
Com potencial para reduzir a sobrecarga do Judiciário e de proporcionar uma resolução de conflitos mais eficiente, a arbitragem tributária se alinha à tendência global de buscar métodos adequados para a solução de disputas, especialmente em matérias especializadas como o direito tributário e aduaneiro.
O Projeto de Lei nº 2.486/2022, portanto, merece um amplo debate para garantir que o potencial da arbitragem tributária seja plenamente alcançado, e que os desafios inerentes à sua implementação sejam adequadamente abordados.
A proposta de regulamentação da arbitragem tributária perfilha-se à tendência do Direito Público contemporâneo, de fortalecimento do diálogo entre a Administração Pública e o Cidadão. O caso é de se promover debates sobre arbitragem tributária, pilar importante no contexto da necessária modernização do processo.
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