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Arcadas são grandes, porque nela cabem todos seus professores

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Por Floriano de Azevedo Marques Neto
As Arcadas do Largo São Francisco. Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO

Durante meus quatro anos como diretor da Faculdade de Direito da USP  (Universidade de São Paulo) tivemos que enfrentar várias tentativas de coatar a liberdade de opinião e cátedra no Largo de São Francisco. Forças policiais quiseram proibir um cartaz pela democracia. Houve tentativa de calar um professor crítico a autoridades do Judiciário. Alguns quiseram proibir eventos em suas dependências. Certa vez, recebi a visita de um deputado estadual que brandia um ofício de autoridade federal asseverando que nas universidades federais não poderia haver "atos políticos". Queria que eu vetasse a realização de um evento promovido pelo XI de Agosto no Salão Nobre por "ter conotação política". Após explicar ao deputado que a USP é autarquia estadual e, como tal, não se submete a comandos de autoridade federal, mostrei a ele que nestes quase 200 anos as Arcadas sempre foram lugar a discussão política, do livre debate de ideias e opiniões. E conclui, educadamente, dizendo que não seria eu a  passar para nossa centenária histórica como um diretoria que proibira os estudantes de se manifestar e organizar seus eventos "políticos". E ofereci a ele que propusesse um tema de debate, de seu interesse, e eu promoveria esse evento sob meus auspícios. Assim ele fez e, numa noite seguinte, realizamos um bom debate sobre "Escola sem Partido", com posições contrárias e favoráveis à iniciativa.

 

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Lembrei-me deste episódio quando vi, recentemente, uma manifestação do centro acadêmico querendo impedir que a professora Janaína Paschoal retome suas atividades docentes regulares no semestre que se inicia.

Minha história como docente e diretor da FD me dispensa de lembrar que Janaína defende posições com as quais antagonizo em tudo. Nos últimos anos estivemos em trincheiras absolutamente opostas. Discordo da quase totalidade de suas opiniões e posições políticas. O que não me impede de respeitar seus pontos de vista. Não tenho lembrança de que ela, como deputada ou professora, tenha transposto as lindes que tornassem incompatível sua condição de servidora pública docente. Houvesse evidências, e haveria o devido processo legal a ser observado.

Floriano de Azevedo Marques Neto. Foto: GABRIELA BILO/ESTADÃO

Janaína ingressou no quadro docente da Faculdade de Direito da USP por concurso público, como todos nós. É professora regular do Departamento de Direito Penal. Terminada sua licença para exercer mandato de deputada, tem o direito e o dever de retomar suas atividades. Não fosse pela crônica falta de docentes, tal retorno seria absolutamente natural pois, por definição, professor é aquele que leciona em sala de aula. E que tem, pela Constituição e pela história da FD, liberdade de cátedra. Claro que qualquer um de nós exerce seu mister docente seguindo as designações e regras acadêmicas e respeitando os limites éticos e didáticos a que nos submetemos. E somos controlados por isso.

 

Ao longo de nossa história, as Arcadas tiveram professores constitucionalistas e getulistas; integralistas e comunistas; próceres da ditadura e outros que militaram pela redemocratização. Nossa história tem glórias e máculas. Quando eu era aluno da graduação, tínhamos aula com professores que eram críticos à Constituinte, outros que eram a favor e alguns que eram constituintes. Fui aluno de professores que, a seu tempo, eram próximos ao regime militar. Confesso que os atazanava em aula, questionando e discordando, no melhor estilo da juventude estudantil. Fazíamos cartazes irônicos e críticos. Promovíamos enterros simbólicos. Nas peruadas, não poupávamos do chiste os mais conservadores. Mas não me passava pela cabeça proibir um professor de lecionar no Largo.

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Janaína Paschoal. Foto: SERGIO CASTRO/ESTADÃO

Querer proibir que um professor reassuma sua docência, especialmente pelo fato deste docente professar ideias com as quais discordamos, para além de ferir as liberdades constitucionais, é um desrespeito à história de pluralidade que marca o Largo de São Francisco. Janaína pode representar tudo com que discordo, mas é professora e, portanto, deve ser tratada com respeito e com a tradição plural das Arcadas.

Texto publicado originalmente na revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur)

*Floriano de Azevedo Marques Neto é professor titular do Departamento de Direito do Estado da USP. Foi diretor da Faculdade de Direito da USP (2018-2022)

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