Em 2024 completaram-se 30 anos do falecimento de Ayrton Senna. O Grande Prêmio do Brasil, ocorrido no último final de semana, foi uma oportunidade para serem feitas homenagens e reflexões. O acidente que resultou na morte do piloto foi o ápice de um final de semana de fatalidades; antes dele já havia ocorrido a destruição do carro de Rubens Barrichello e a saída fatal da pista por Roland Ratzenberger.
Difícil acreditar no acaso e em tantas coincidências depois de anos sem acidentes fatais na Fórmula 1. Teorias da conspiração poderiam cogitar sabotagens; ocultistas poderiam trazer à tona a existência de forças negativas no ar. A explicação, todavia, parece muito mais simples: o descompasso entre as pistas e técnicas humanas e o exponencial avanço da tecnologia dos veículos.
Algumas adaptações foram feitas após os acidentes e, nos vinte anos seguintes, não houve nenhuma morte nesse esporte. Infelizmente, o pior precisou acontecer para que se ganhasse a consciência de que mudanças eram necessárias; felizmente, foram apenas duas vidas (de valor imensurável, é claro) que puderam salvaguardar muitas outras.
Vivemos tempos acelerados e confusos. A velocidade do desenvolvimento tecnológico é sem precedentes e, ao contrário de 1994, não está afetando apenas os carros de corrida de Fórmula 1. A inteligência artificial, a astúcia dos investidores, a complexidade e a abstração das operações financeiras, a sofisticação das substâncias químicas, os mecanismos de vigilância e o potencial das armas de fogo e nucleares nos expõe a riscos constantes e diários em todos os setores da vida, mas a nossa pista continua a mesma.
Aqui podemos chamar de pista tanto o ambiente cultural quanto as instituições de prevenção e combate ao crime. Isso porque não se pode pensar em evitar delitos sem alterar comportamentos e valores da comunidade. E qual seria a solução? Claro que não há apenas uma via de mudança necessária. Mas uma delas foi recentemente proposta pelo Poder Executivo e está sendo objeto de muitas críticas por supostamente atentar contra a autonomia dos entes federativos e desconsiderar as particularidades de nosso país-continente. Essa resistência é resultado de preconceitos e perspectivas distorcidos, sendo importante trazer alguns outros aspectos para dialogar e expandir a compreensão.
O SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) foi criado pela Lei n. 13.675, de 2018, com o objetivo de promover uma atuação integrada, sistêmica, harmônica e cooperativa dos órgãos de segurança pública (todas as polícias e guardas municipais). Tal qual já acontece no SUS (Sistema Único de Saúde), celebrado por sua eficiência, a atuação com a coordenação da União não teria o objetivo de submeter os demais entes a um rígido controle, tampouco desconsiderar as especificidades de cada comunidade. Trata-se, sim, da concretização do federalismo cooperativo, promovendo a colaboração entre as diferentes esferas, troca de experiências e aumento da eficiência.
A constitucionalização do tema eleva o status de uma política essencial e cria uma sinergia pela elaboração de normas federais. É sabido, todavia, que normas não bastam. Ação e treinamento de agentes são indispensáveis para que a União possa exercer o papel de apoio e direção e acolhimento de especificidades. Por fim, a alteração constitucional é a oportunidade de criar a polícia ostensiva na esfera federal, que deixa de ter competência apenas para reagir ao crime e punir, mas também para atuar de forma preventiva.
Assim como os veículos que foram automatizados, o crime teve muitas alterações. As pessoas estão constantemente em movimento físico e conectadas por redes digitais, exigindo atuação interestadual e até internacional. Não está em um futuro distante a necessidade de atuar em metaversos e realidades absolutamente imateriais, demandando-se um investimento incomum para órgãos governamentais. Nesse aspecto, a atuação conjunta é uma exigência de um Estado responsável com os recursos públicos, evitando retrabalho e permitindo o compartilhamento de conhecimento e tecnologia.
A existência de diretrizes comuns para a atuação dos órgãos de segurança pública traz um enorme ganho em termos de gestão e criação de políticas, facilitando a análise de dados, os diagnósticos e a formulação de políticas públicas (sobretudo preventivas). Além disso, permite desburocratizar a realização de atos investigativos e facilita a comunicação entre os entes federativos que utilizarão modelos de registro de atos e sistemas similares.
Não se trata de optar por um modelo que dê competência apenas para os Estados ou um modelo que dê competência apenas para a União. Trata-se de escolher um modelo inclusivo, que abarque todas as necessidades dos cidadãos brasileiros diante de uma realidade absolutamente nova que se apresenta. Já passou da hora de pararmos de nos perder nas curvas dessa pista antiquada e ineficaz para criar um novo caminho, em que novas vidas não se percam e em que os cidadãos se sintam seguros em tantos aspectos.
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