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As implicações de longo prazo da indicação de Cristiano Zanin para o STF

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Por Manoel Galdino
Manoel Galdino. Foto: Inac/Divulgação

Ao analisar a indicação de Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal, é crucial refletir sobre as consequências negativas que ela acarreta para as futuras indicações - e, consequentemente, para a futura composição da corte. Essa é uma lição valiosa da ciência política, muitas vezes subestimada, mas que merece ser reforçada: ao expandir o limite do que é considerado aceitável, corremos o risco de nos prejudicar quando não estivermos no poder. Afinal, nessa expansão o que vale para nós agora valerá para nossos adversários no futuro.

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Não é que faltem exemplos recentes de como esse comportamento míope revela-se um tiro no pé em anos seguintes. Do PSDB que decidiu embarcar na canoa furada do populismo iliberal ao contestar a legitimidade das urnas eletrônicas para acabar sendo engolido pelo Bolsonarismo, até um processo constituinte no Chile demandado pela esquerda e que agora será controlado pela Direita, mudanças no presente se apresentam diferentemente no futuro.

Entre os defensores da tese de que Lula foi vítima de "lawfare" - uma estratégia de guerra jurídica - a indicação de Zanin seria vista como uma ajuda adicional de que Lula jamais enfrentará novamente um processo semelhante. Essa perspectiva se estende além de Lula, abrangendo também a proteção de outros indivíduos contra potenciais abusos. No entanto, o precedente estabelecido para presidentes futuros é o de indicar alguém que os proteja de processos judiciais. Com o passar das presidências, podemos nos deparar com um Supremo Tribunal formado, em parte, por ex-advogados pessoais de ex-presidentes. Nesse cenário, não seria irracional imaginar um acordo de "favores mútuos", em que os ministros tendem a agir em benefício dos ex-presidentes, tornando-os, na prática, inimputáveis fora de seus mandatos. Devemos nos questionar se esse é o equilíbrio que desejamos para o nosso país.

Alguns argumentam que cabe ao Senado conduzir a sabatina e garantir a escolha baseada em critérios republicanos. No entanto, é importante ressaltar que todo indicado possui incentivos para dizer o que o Senado deseja ouvir, visando a aprovação, sem necessariamente pautar suas ações futuras por essas declarações. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e também ocorre nos Estados Unidos. Nesse sentido, a sabatina pode ter um efeito significativo apenas se os indicados possuírem um histórico público de posicionamentos sobre diversos temas. Embora sempre seja possível alegar mudança de opinião, os senadores podem utilizar esse histórico para melhor avaliar se devem ou não aprovar determinado nome. Assim, sem um histórico público, não apenas o Senado falha em cumprir seu papel, mas o eleitor também fica privado de escolher seu voto levando em consideração o tipo de perfil que um senador deve aprovar para o STF. Em outras palavras, estamos desvalorizando a crucial prestação de contas vertical, tão importante para a democracia.

Outra possível consequência a longo prazo é a consolidação do conflito de interesses entre escritórios de advocacia e potenciais candidatos à presidência. Processos judiciais, como o enfrentado por Lula, envolvem altos custos financeiros. Como se trata de uma relação privada, não temos conhecimento sobre o real financiamento do escritório de Zanin nas despesas relacionadas a Lula. Com a indicação para o STF e a influência decorrente dessa posição, isso se torna um investimento valioso. Novamente, não estamos insinuando qualquer troca de favores nesse sentido, mas estamos abrindo um precedente para que outros escritórios ajam estrategicamente nesse sentido. Com o passar dos mandatos presidenciais, podemos nos deparar com um STF composto majoritariamente por ex-membros de escritórios que atuaram estrategicamente em violação clara de conflitos de interesse.

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Além disso, a indicação de Zanin sinaliza que mesmo um governo comprometido em promover a diversidade, como alegado por Lula, acaba privilegiando os mesmos grupos de poder que historicamente dominam a cena política - homens brancos. Se mesmo esse governo está disposto a pagar um custo relativamente baixo ao indicar mais um representante desse grupo, por que governos menos progressistas nessa questão se preocupariam com esse custo? Em outras palavras, Lula está contribuindo para a manutenção de uma corte pouco diversificada, não apenas pela indicação de Zanin, mas também pela redução do custo futuro de indicações por parte de outros presidentes. Ele está, de certa forma, "comprando" mais homens brancos para o futuro.

Ainda que a indicação de Zanin possa ser vista por alguns como positiva pelo que se espera de suas potenciais contribuições como ministro do Supremo Tribunal Federal, ela merece ser analisada também pelos impactos futuros quando outros governos estiverem no poder. No Brasil, carecemos de líderes que avaliem se gostariam que seus opositores adotassem as mesmas práticas ou se estão, inadvertidamente, estimulando um tipo de comportamento que no futuro criticarão. É essencial considerar se estamos, de fato, construindo um caminho de accountability e diversidade no STF, ou se estamos comprometendo esses princípios fundamentais em nome de interesses momentâneos.

*Manoel Galdino, professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

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