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Opinião|Aves do mangue

A vida real que presenciamos não transcorre como no cinema ou nas novelas. Nela, muitas vezes há heróis anônimos que são feios, apanham e sofrem, mas não alugam seus princípios e convicções, enquanto há vilões-galãs que enricam, ascendem profissionalmente e recebem reverências

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convidado
Por Luiz Henrique Lima

Recentemente, um amigo chamou-me a atenção para algumas espécies de aves do mangue. Portadoras de bela plumagem, dispõem de pernas compridas e finas, cujos dedos cobrem uma área ampla. Com isso, ao buscar alimentos, podem pousar no lodo e com seus longos bicos capturar os peixes de que necessitam. Uma vez saciadas, podem facilmente alçar voo sem ostentar uma mancha sequer nas suas penas.

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A imagem inspira uma dupla metáfora em relação aos agentes públicos, à corrupção e à impunidade.

De um lado, pode se imaginar naquele pássaro um servidor público impoluto que, mesmo na contingência de conviver em um lodaçal, consegue preservar a sua integridade. Cumpre o seu papel e sobrevive, sem se enlamear.

De outro, vislumbra-se a dissimulação de um corrupto astuto, que consegue roubar sem deixar rastros visíveis a olho nu. Na sua roupagem externa, não há traços que indiquem a origem de sua fartura. Até mesmo, ensaia proferir discursos em defesa da moral e dos bons costumes, da transparência e da ética.

Na minha carreira, pude conhecer esses dois espécimes e admito que às vezes me confundi. Afinal, o caráter não está tatuado na testa das pessoas ou nas asas dos pássaros.

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Uma pessoa íntegra pode ser também introvertida e, por isto, considerada antipática. Com frequência, carrega cicatrizes dos muitos confrontos em que precisou dizer não e obstar propostas ou decisões indecorosas.

Já o ladravaz esbanja simpatia, especialmente quando exposto à visibilidade pública. Mesmo flagrado em contradições e escândalos, consegue ser sedutor e convincente. Sua falta de escrúpulos o auxilia, pois não impõe limites à impostura e faz de sua vida um tributo à hipocrisia e à ganância. É capaz de ser brutal com um sorriso nos lábios. É mais impiedoso e cruel assinando pareceres e decisões do que se estivesse apertando gatilhos, mas sempre deixa entrever nas redes sociais uma suposta lágrima de compaixão...

A vida real que presenciamos não transcorre como no cinema ou nas novelas. Nela, muitas vezes há heróis anônimos que são feios, apanham e sofrem, mas não alugam seus princípios e convicções, enquanto há vilões-galãs que enricam, ascendem profissionalmente e recebem reverências e comendas, civis, militares e eclesiásticas.

Porém – ai porém, como no samba de Paulinho da Viola – não se iludam com triunfos passageiros. Um dia, creio - ainda que possa demorar - a conta chegará a cada um, máscaras irão cair e haverá choro e ranger de dentes, mas finalmente justiça.

E você? Em que pensa ao contemplar a revoada das aves de um mangue?

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Luiz Henrique Lima
Conselheiro certificado e professor. Foto: Arquivo pessoal
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