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Barafunda forense

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Por Stéfano Ribeiro Ferri
Atualização:
Stéfano Ribeiro Ferri. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não é de hoje que a assintonia do Poder Judiciário vem sendo estampada fastidiosamente nos noticiários, transformando-se em novela que, recentemente, acaba de ganhar novo capítulo. No Tribunal de Justiça de São Paulo, exsurge uma questão que divide os julgadores, causa insegurança aos operadores do direito e impõe amarras ao desenvolvimento econômico: a condenação de instituições financeiras e empresas do segmento de incorporação imobiliária ao pagamento de IPTU, de imóveis localizados na capital paulista, financiados mediante alienação fiduciária em garantia.

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Nos casos em que os responsáveis pelo financiamento (promitentes compradores) não pagam o imposto, a prefeitura está redirecionando automaticamente a cobrança aos credores, até mesmo incluindo-os no carnê, com a possibilidade de que o nome das empresas siga direto para a dívida ativa em caso de inadimplência.

A clivagem se dá, na medida em que as câmaras responsáveis pela apreciação da matéria adotam posições antagônicas, por mais que a gênese da questão seja exatamente a mesma, promovendo desigualdade de tratamento e inviabilizando a consolidação de um ecossistema inconcusso para realização de negócios. Em uma análise prática, verifica-se que a 15ª Câmara de Direito Público é refratária à condenação, ao passo que a 18ª tende a julgar de modo diverso.

A corrente favorável ao entendimento de que instituições financeiras e incorporadoras estariam sujeitas ao pagamento de IPTU considera que, como na alienação fiduciária a parte credora detém a propriedade resolúvel do imóvel, bem como sua posse indireta, tal fato seria suficiente, então, para que venha a figurar no polo passivo de execução fiscal - estabelecendo interpretação completamente equivocada, uma excrescência.

Em primeiro lugar, importante trazer ao conhecimento do leitor que, conforme artigo 27, § 8, da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 (alienação fiduciária de coisa imóvel) o implemento da condição para que o credor (fiduciante) responda exclusivamente pelo pagamento do IPTU, e não o promitente comprador, somente ocorre quando há efetiva imissão na posse do imóvel, sendo este o marco temporal a ser observado - e não a simples consolidação da averbação da alienação fiduciária.

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Se assim não fosse, estaríamos diante de um expediente inaceitável: poderia um devedor, imbuído de má-fé, deixar de recolher o imposto para que, então, a obrigação fosse automaticamente transferida à parte credora? Trata-se de verdadeiro escárnio, que não pode ser tolerado.

Além do mais, em se tratando de imóvel objeto de alienação fiduciária, somente a propriedade resolúvel é conferida ao credor fiduciário, e, mesmo que este venha a ter a posse - por inadimplemento das parcelas do financiamento -, não é dotada de Animus Domini (intenção de ser dono), sendo referido instrumento tão somente uma forma de garantia, de caráter estritamente negocial, o que afasta por completo sua condição de contribuinte, nos moldes do artigo 34, do Código Tributário Nacional ("CTN").

A ausência de Animus Domini é notável, sabendo que o credor fiduciário, em caso de inadimplemento da dívida, nem mesmo pode ficar com o imóvel; é obrigado a vendê-lo, judicial ou extrajudicialmente, aplicando-se o preço no pagamento do crédito e nas despesas de cobrança, sendo nula eventual cláusula que o autorize a ficar com o imóvel alienado, como disciplina os artigos 1.364 e 1.365, do Código Civil.

Por analogia, tem-se aqui uma posse precária, não sendo apta a gerar a obrigação tributária, afastando a cobrança do IPTU. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), no Resp. nº 1091198/PR. Trazendo referida jurisprudência ao presente debate, irrefutável que a responsabilização do credor fiduciário é medida avessa ao bom senso, também por contrariar os dispositivos da legislação específica que cuida do tema, conforme demonstrado.

Subverte a ordem jurídica, ofendendo suas normas e princípios, o entendimento de que se pode permitir o redirecionamento instantâneo das cobranças de IPTU ao credor, pelo simples fato de que houve a consolidação da propriedade fiduciária. Mais ainda, trata-se de um abuso, que vem ganhando força pela eclosão da pandemia de covid-19, momento em que a inadimplência de IPTU, somente na cidade de São Paulo - SP, atingiu o patamar de 15% (por volta de R$ 1,9 bilhão), conforme informado pela Secretaria Municipal da Fazenda.

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Os prejuízos sofridos não podem ser impelidos ao setor privado, constatada a insuficiência de qualquer fundamento legal para tanto, sob pena de se permitir um comando tirânico, um Leviatã às avessas, promovendo balburdia e insegurança.

Com o presente cenário de decisões conflitantes, é imperioso que o Poder Judiciário uniformize sua jurisprudência, trazendo previsibilidade para as decisões e garantindo celeridade na solução de litígios, sendo certo que o desfecho da celeuma poderá impactar de forma relevante o mercado imobiliário - um dos poucos setores que conseguiu driblar os impactos da pandemia - destacando ainda mais a premência do que se discute.

*Stéfano Ribeiro Ferri, sócio Fundador do Ortiz & Ferri Advogados. Pós-graduando em Direito Corporativo pelo Ibmec

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