O ministro Luís Roberto Barroso assumiu nesta quinta-feira, 28, a presidência do Supremo Tribunal Federal e deu o tom de como conduzirá a Corte máxima nos próximos dois anos, inclusive com recados ao Congresso Nacional. Em um discurso em três partes - como é de superstição do ministro - Barroso afirmou que o ‘Judiciário deve ser técnico e imparcial, mas não isolado da sociedade’ e pregou que ‘a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião’.
Sucessor da ministra Rosa Weber - que se despede na Corte máxima em razão de sua aposentadoria compulsória -, Barroso defendeu que a ‘judicialização ampla da vida no Brasil’ não corresponde a ativismo, mas ao desenho institucional do Estado. “Contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente ao nosso papel. Nós sempre estaremos expostos à crítica e à insatisfação”, indicou.
Em um discurso redigido em 10 páginas, Barroso usou a parábola de um equilibrista para descrever os desafios de chefiar o STF. Também listou as diretrizes de sua gestão:
- conteúdo - para aumentar a eficiência da justiça, avançar a pauta dos direitos fundamentais e contribuir para o desenvolvimento econômico, social e sustentável do País;
- comunicação - melhorando a interlocução com a sociedade, expondo em linguagem simples o papel da Corte, ‘explicando didaticamente as decisões, desfazendo incompreensões e mal-entendidos’;
- relacionamento - ressaltando que o ‘Judiciário deve ser técnico e imparcial, mas não isolado da sociedade’; “Precisamos estar abertos para o mundo, com olhos de ver e ouvidos de ouvir o sentimento social. A gente na vida deve ser janela e não espelho, ter a capacidade de olhar para o outro, e não apenas para si mesmo”
Considerado progressista, o ministro frisou que a defesa dos direitos humanos, a igualdade da mulher, a proteção ambiental, as ações afirmativas, o respeito à comunidade LGBTQIA+, a inclusão das pessoas com deficiência e a preservação das comunidades indígenas são pautas da humanidade. “Essas são as causas da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas. Poucas derrotas do espírito são mais tristes do que alguém se achar melhor do que os outros”, destacou.
Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que vai indicar um nome para assumir a cadeira de Rosa Weber -, Barroso fez um compromisso para aumentar a participação de mulheres nos tribunais e ampliar a diversidade racial. O chefe do Executivo tem sido cobrado para indicar uma mulher negra para o STF. De outro lado, o petista já afirmou que gênero e cor não vão ser seus critérios para a escolha do próximo integrante da Corte máxima.
O discurso de Barroso - Gratidão, Judiciário e Brasil
A primeira sessão de sua fala, Barroso dedicou à gratidão, mencionando sua família, amigos e a ex-presidente Dilma Rousseff, que o indicou à Corte máxima. Segundo o magistrado, a petista ‘não pediu, não insinuou e não cobrou’. Barroso afirmou que, ‘em troca’, sempre atuou com ‘a intenção de fazer um País melhor e maior’: “Justo, quem sabe um dia”. Agradeceu e homenageou a ministra Rosa Weber, sua antecessora na gestão do STF.
Na ‘parte dois’ de seu discurso, Barroso falou sobre o Poder Judiciário, seu papel e circunstâncias - aproveitando para dar um recado para o Congresso. O ministro indicou que a Constituição brasileira não só estrutura o Estado, mas contempla questões como a proteção à minorias e o sistema econômico. Nessa linha, o novo presidente do STF explicou que ‘uma matéria na Constituição é, em larga medida, retirá-la da política e trazê-la para o direito’.
“Essa é a causa da judicialização ampla da vida no Brasil. Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional. Nenhum Tribunal do mundo decide tantas questões divisivas da sociedade”, ponderou.
De outro lado, Barroso disse que a Corte deve ter ‘autocontenção e diálogo com os Poderes e a sociedade’ - o que o ministro pretende intensificar. “Numa democracia, não há poderes hegemônicos, garantindo a independência de cada um”, indicou o ministro, se dirigindo nominalmente a Lira e a Pacheco. “Conviveremos em harmonia, parceiros institucionais que somos para o bem do Brasil”, completou.
Já a terceira sessão da fala do novo presidente do STF foi dedicada ‘ao Brasil, a paixão que nos une e os compromissos que devemos ter’. Barroso frisou que o bem, a justiça e a tolerância são valores filosóficos essenciais. “Creio na educação, na igualdade, no trabalho e na livre iniciativa como valores políticos fundamentais. E no constitucionalismo democrático como forma institucional ideal”, indicou.
Nessa linha, o presidente do STF defendeu uma ‘agenda para o Brasil’, passando por questões como o combate à pobreza, o desenvolvimento econômico e social sustentável, a prioridade para a educação básica, saneamento básico, habitação popular, valorização da livre iniciativa e do trabalho formal, investimento em ciência e tecnologia e liderança global em matéria ambiental.
“Subjacentes a qualquer agenda, há três elementos essenciais para se fazer um grande país: integridade, civilidade e confiança. Todos eles vêm antes da ideologia, antes das escolhas políticas pessoais. Na verdade, entre pessoas íntegras e civilizadas, a confiança brota espontaneamente. Sem confiança não há progresso”, ponderou.
Betânia canta Hino e Gilmar exalta ‘virtudes’ de Barroso
A cerimônia de posse se deu em sessão solene nesta tarde. O evento conta com a presença de diversas autoridades, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os presidentes do Senado e da Câmara - Rodrigo Pacheco e Arthur Lira - além de ex-integrantes da Corte, como o ministro aposentado Ricardo Lewandowski. Maria Betânia cantou o Hino Nacional no início da cerimônia.
Após Barroso e o ministro Edson Fachin assinarem os termos de posse como presidente e vice, respectivamente, o decano Gilmar Mendes afirmou que a Corte máxima suportou, nos últimos anos, ‘ameaças de um populismo desprovido de qualquer decoro democrático’. Gilmar deu ênfase às ‘ofensas e mentiras’ proferidas contra os integrantes do Tribunal e classificou os atos de 8 de janeiro como o ‘ápice do inventário do golpismo’.
Nessa linha, o decano ponderou que a posse de Barroso como presidente do STF é mais do que uma sucessão, assumindo um ‘colorido novo’: “Torna palpável a certeza de que o STF sobreviveu”. “A atual ordem constitucional sabe se defender, seja de golpismos explícitos, seja de erosões autoritárias como aquela sistematicamente conduzia em 2022 contra o sistema eleitoral”, completou.
Gilmar exaltou a ‘resiliência’ de Barroso no exercício da presidência do TSE, indicando o esforço do magistrado para que as eleições 2018 chegassem a ‘bom termo’. O decano destacou a ‘carreira jurídica de excelência’ e a ‘trajetória de engajamento institucional e democrático’ do colega.
O ministro também citou a ‘intransigente defesa democracia’ de Barroso, que classificou como ‘fundamental para preservação da integridade do processo eleitoral’. Lembrou dos votos de Barroso sobre os direitos dos povos indígenas durante a pandemia, as cotas em universidades.
O discurso ainda elencou as ‘virtudes’ de Barroso: ‘resolutividade, resiliência e acuidade’. Segundo Gilmar, tais características ‘certamente marcarão’ a gestão do ministro.
Em meio ao embate entre STF e Congresso - com a divergência sobre temas como o marco temporal, aborto e a descriminalização das drogas - Gilmar aconselhou: “Vivemos um tempo que requer compromisso inequívoco dos três poderes em favor da constituição. Será fatal para os poderes constitucionais a dúvida, a hesitação”.
Após manifestações da procuradoria-geral da República e da Ordem dos Advogados do Brasil, Barroso iniciou seu discurso, o qual dividiu em três partes - uma superstição do ministro que arrancou risadas dos presentes na cerimônia.
O novo presidente do STF
Barroso tem 65 anos e está há dez anos no Supremo. Assumiu a cadeira do ministro aposentado Ayres Britto, após ser indicado à Corte máxima pela ex-presidente Dilma Rousseff. Antes de integrar o STF, Barroso atuou como procurador do Estado do Rio de Janeiro e advogado constitucionalista. Nesta última função, fez emblemática sustentação oral, no plenário do STF, no julgamento sobre o reconhecimento das uniões homoafetivas.
Durante seus anos no Tribunal, o ministro protagonizou embates, foi alvo de ataques e responsável por posicionamentos em processos de destaque, como o processo sobre despejos e desocupações de pessoas durante a pandemia de covid-19, a ação sobre candidaturas avulsas, o processo sobre o piso nacional da enfermagem e as execuções penais dos condenados no Mensalão.
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