Quando se fala em “berço de ouro”, pensa-se em alguém que nasceu em família abastada, que recebeu todo o conforto material durante sua infância e que teria, pela frente, um risonho horizonte.
Isso existiu no Brasil imperial e talvez até mesmo no início da malfadada República. Hoje, os filhos de milionários precisam ser blindados. Teme-se o sequestro, a catástrofe financeira, são obrigados a uma árdua formação, que inclui não só a escolaridade convencional, mas a prática esportiva, a eletrônica e o domínio de vários idiomas.
Vidas como a de Estevão Ribeiro de Sousa Rezende, nascido no Rio de Janeiro aos 19.8.1840, sétimo filho do Marquês de Valença e neto do Brigadeiro Luiz Antônio de Souza Queiroz são como lendas. Fantasias que já não ocorrem nestes confusos tempos que nos são dados viver.
A linhagem de Estevão era tão nobre, que foram seus padrinhos de batismo o Imperador Pedro II e sua irmã, Princesa de Joinville. O pequeno desfrutou naturalmente de todos os benefícios materiais, sociais e morais decorrentes da posição de relevo da família. Fartura e esplendor era o ambiente normal na residência de seus pais.
Veio para São Paulo estudar Direito e não residia em “repúblicas”. Morava em casa própria, da Marquesa de Valença, sua mãe, Ilídia Mafalda de Sousa Rezende. Tão sério e sisudo que, ao viajar sua família toda para a Europa, em 1860, permaneceu em São Paulo para não perder aulas. Recebia cartas carinhosas escritas pelas irmãs, postadas em Southampton, Paris, Bruxelas, Genève. Descrições de passeios por Veneza, Florença, Roma e Munich. O irmão Geraldo, então com 13 anos, escrevia-lhe em francês e inglês.
Em 1863, quintanista, Estevão Rezende se casa com Ana Cândida da Conceição, primogênita dos Barões de Serra Negra. Em 1865 vão para a Europa e, de volta à Pátria, entrou na política. Foi vereador em Piracicaba, deputado à Assembleia Provincial de São Paulo, da qual foi presidente. Já na República, foi senador por São Paulo.
Foi fazendeiro de café em Piracicaba, onde residiu. Industrial, foi um dos fundadores da Companhia Ituana de Navegação dos rios Piracicaba e Tietê. Em 1881, montou em Piracicaba um “Engenho Central”.
Em 1886, quando seu padrinho de batismo, D. Pedro II e os Condes D’Eu visitaram São Paulo, o afilhado os acolheu em sua vivenda piracicabana. Em virtude desse vínculo afetivo, mas também por causa de seus méritos individuais, prestígio social e fidalguia de tratamento, recebeu em 1887 o título de Barão de Rezende.
Fez jus ao restante da família do Marquês de Valença, que teve outros filhos nobres: Francisca, Condessa de Cambolás, Pedro, o segundo Barão de Valença, Geraldo, Barão Geraldo de Rezende, Estevão, Barão de Rezende e mais um Estevão Ribeiro de Rezende, filho legitimado, tornou-se Barão de Lorena.
Monarquista e católico praticante e convicto, Estevão praticou muitas obras de benemerência. Principalmente em Piracicaba, cidade a que se apegou bastante. Fez doação de terras suas, vizinhas ao salto de Piracicaba, para que o povo melhor pudesse apreciar o espetáculo das águas encachoeiradas e a piracema. Também construiu o Teatro Santo Estevão, o Sanatório São Luiz para tuberculosos pobres. E, durante toda a sua vida, socorreu material e afetivamente a Santa Casa de Misericórdia.
Como nobre milionário, cultivou as letras e era experto em história política do Brasil. Escreveu monografia sobre o Marquês de Valença, dois volumes de Fragmentos Histórico-Políticos sobre o Brasil e os seis volumes dos Estudos Histórico-Políticos, editados em São Paulo entre 1879 e 1880. Por essa obra foi recepcionado como efetivo membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Faleceu em Piracicaba, sua terra adotiva, aos 11 de agosto de 1909. A história da família foi escrita por Amélia de Rezende Martins, autora de “Um Idealista Realizador – Barão Geraldo de Rezende”, onde há interessantes relatos sobre a família e filhos do Marquês de Valença, incluindo fotografias e cartas. Gente bem educada, cuja finesse realçava as qualidades alicerçadas por uma educação cristã aprimorada, a lapidar quem já nascera em berço de ouro.
Era bem atrativa e sedutora a vida da nobreza imperial, afeiçoada a etiquetas que foram desaparecendo, para surgir em seu lugar uma certa rudeza e rusticidade, uma falta de modos e de polidez que compromete o reconhecimento de pretensa ascensão civilizatória.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.