Entrando em sua segunda sessão nesta terça-feira, 27, o julgamento que pode tornar Jair Bolsonaro inelegível é marcado pela discussão sobre dois precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, um destacado pelos advogados do ex-presidente e outro pelo Ministério Público Eleitoral. A Procuradoria resgata decisão sobre a cassação do mandato do deputado Fernando Francischini (União Brasil-PR) por ataque às urnas eletrônicas. Já a defesa de Bolsonaro invoca entendimento da Corte no caso da chapa Dilma-Temer, em uma tentativa de neutralizar o uso da ‘minuta do golpe’ no processo que pode tirar o ex-presidente da corrida eleitoral até 2030.
A análise da ação contra Bolsonaro será retomada na noite desta terça com a leitura do voto do ministro Benedito Gonçalves, o corregedor-eleitoral. Ele é o relator da ação que pode tornar Bolsonaro inelegível. Nesta sessão, o País vai conhecer seus argumentos e fundamentos distribuídos em um voto que preenche mais de 400 páginas.
Há uma expectativa de que Benedito apresente um resumo sobre suas convicções, mas, ainda assim, a leitura deve ser longa. O TSE já programou a sessão da próxima quinta-feira, 29, para encerrar o julgamento.
O primeiro dia de julgamento foi marcado pelas alegações da defesa de Bolsonaro e pelos argumentos do vice-procurador-geral Paulo Gonet Branco.
Os advogados do ex-chefe do Executivo buscam descolar a reunião em que Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas, diante de diplomatas, de uma sequência de episódios que respinga sobre ele - como a ‘minuta de golpe’ apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Na sustentação oral realizada na quinta passada, 22, o advogado Tarcísio Vieira, que defende Bolsonaro, disse que o processo contra o ex-presidente tem uma situação ‘idêntica’ ao do julgamento da chapa Dilma-Temer. O advogado argumentou que, à época em que julgou a petista e o emedebista, em 2017, o TSE entendeu que não poderiam ser usados no processo ‘achados posteriores da Lava Jato’.
Citando tal contexto, Tarcísio contestou a ‘narrativa inventiva’ de que a reunião feita por Bolsonaro, em julho, às vésperas do processo eleitoral, ‘passou a ser tida como um rastilho de pólvora que resultou na explosão lamentável dos atos de 8 de janeiro’. O defensor de Bolsonaro argumentou que ‘introjetou-se nas vísceras do processo um corpo estranho’ - em referência à ‘minuta do golpe’ apreendida na residência de Torres, durante buscas da PF em janeiro.
Gonet, de pronto, rechaçou a argumentação do advogado de Bolsonaro. Destacou como o discurso do ex-presidente ganha uma dimensão ainda maior quando se considera os acontecimentos posteriores à reunião, os quais o TSE considerou que compunham o objeto da ação contra Bolsonaro.
O procurador eleitoral destacou que a decisão da Corte eleitoral ‘não tem nada de revolucionária’: “O juiz pode e deve levar em consideração fatos supervenientes que interfiram no julgamento do mérito”, cravou.
Gonet fez referência ao precedente da cassação do ex-deputado federal pelo Paraná, Fernando Francischini - não sobre a decisão do TSE em si, mas sobre julgamento do Supremo Tribunal Federal, quando o então deputado tentou reaver seu mandato na Corte máxima.
Em um primeiro momento, o ministro Kassio Nunes Marques devolveu o mandato ao aliado de Bolsonaro, mas o Plenário da Segunda Turma do STF reverteu a decisão.
Na época, o voto decisivo para a manutenção da cassação de Francischini foi dado pelo ministro Gilmar Mendes. Tal voto foi citado por Gonet na última quinta, 22, para destacar a ‘gravidade’ do ataque de Bolsonaro às urnas eletrônicas.
No julgamento do caso Franceschini, o decano do STF assinalou como tal tipo de narrativa ‘pode comprometer o pacto social em torno das eleições’.
O vice-procurador-geral eleitoral deu ênfase para a argumentação de Gilmar, de que o ‘discurso de ataque sistemático à confiabilidade das urnas eletrônicas não pode ser enquadrado como tolerável em um estado democrático de direito, especialmente por um pretendente a cargo político’.
“Aceitar como normal ou legítimo esse discurso de deslegitimação do resultado das urnas volta-se contra a própria Constituição, a qual juramos proteger”, disse Gilmar Mendes, em trecho reproduzido por Gonet.
O procurador usou a fundamentação de Gilmar para reforçar o argumento de que o discurso de Bolsonaro tinha sim o potencial de ‘perturbar a tranquilidade’ em meio às eleições.
Gonet destacou como a ‘desconfiança é causa de estremecimento do apoio popular à própria existência de eleições’. “A normalidade do pleito fica atingida”, indicou.
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