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BPC por decisão judicial alcança maior patamar em 2024

Estadão obteve, via Lei de Acesso à Informação, registros de de 6 milhões de contemplados com o Benefício da Prestação Continuada ao longo do ano passado, dos quais 3,5 milhões (56,5%) do amparo social às pessoas com deficiência e 2,7 milhões (43,4%) às pessoas idosas

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Foto do author Nino Guimarães
Atualização:

Especial para o Estadão - Em meio às mudanças nas regras do pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a judicialização do auxílio alcançou níveis recordes em 2024. Segundo os dados concedidos via Lei de Acesso à Informação, o ano registrou o maior volume de novas concessões por determinação judicial da história, com 182 mil novos beneficiários, representando cerca de 23,4% dos contemplados.

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Regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o BPC garante auxílio da Previdência Social de um salário mínimo para pessoas idosas e pessoas com deficiência que estão em condição de vulnerabilidade social.

Em 2024, o benefício custou cerca de R$ 91 bilhões à Previdência Social, com 6 milhões de beneficiários registrados, sendo 3,5 milhões (56,5%) do amparo social às pessoas com deficiência e 2,7 milhões (43,4%) às pessoas idosas.

Os dados do governo federal apontam que, ao todo, foram 779 mil novos beneficiários em 2024, número ligeiramente menor que o de 2023, quando houve 809 mil contemplados. No entanto, a concessão do BPC por ordem judicial cresceu de 138 mil casos em 2023 para 182 mil em 2024.

Entre as duas modalidades do amparo, o auxílio para pessoas com deficiência foi o que registrou mais ingressos pela judicialização. O levantamento indica que, entre os casos judicializados, 91% dos novos titulares são pessoas com deficiência — em torno de 166 mil casos. Os dados mostram que pelo menos um terço (33%) dos novos beneficiários do auxílio para pessoas com deficiência só conseguiu acessar o direito após a intervenção do Judiciário.

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Em comparação com o auxílio para idosos, apenas 5% das novas concessões foram por determinação judicial. Entre as 275 mil pessoas que conseguiram o benefício pelo critério da idade, 15 mil tiveram acesso pelas vias judiciais. A proporção de judicialização entre os novos beneficiários idosos tem se mantido estável ao longo dos anos: em 2023 foram 4,9% dos novos contemplados.

Para Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário e mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, a etapa de avaliação médica é um dos motivos para a alta judicialização do BPC para pessoas com deficiência. Além de comprovar a vulnerabilidade social, com uma análise de um assistente social, o requerente também precisa ser avaliado por uma perícia médica da Previdência Social, que deve reconhecer as condições de saúde.

Quando o requerente não consegue acesso ao BPC pela primeira análise do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é possível entrar com um recurso administrativo, que será analisado pelo CRPS (Conselho de Recursos da Previdência Social), um órgão colegiado competente para revisar e, se necessário, alterar a decisão de indeferimento. Entre as novas concessões do BPC em 2024, apenas 0,26% foram em decorrência de recurso administrativo.

Barbosa explica que, para ter acesso mais rápido ao benefício, muitos requerentes precisam judicializar a demanda, que, na maioria dos casos, é analisada pelos Juizados Especiais Federais. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) instituiu que, para buscar o auxílio pelas vias judiciais, é necessário ter feito um prévio requerimento ao INSS. Porém, não é necessário passar pelos recursos administrativos, bastando demonstrar o “interesse de agir”.

Barbosa explica que a alta judicialização do BPC é resultado de múltiplos fatores do processo de concessão. Entre eles, destaca que há uma desatualização da legislação previdenciária, que não acompanha os novos entendimentos firmados pelo Judiciário para conceder o auxílio.

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“O servidor público está vinculado ao princípio da legalidade e deve agir estritamente conforme a lei, não podendo atuar em desacordo com ela. Muitas demandas judiciais surgem exatamente porque a legislação está desatualizada. Mesmo havendo pacificação no Judiciário acerca de determinado tema, o servidor, por força da lei, tende a indeferir pedidos. Isso gera situações absurdas e é um dos grandes motivos de judicialização”, afirma.

Ele também ressalta outros fatores, como a litigiosidade motivada por erros na avaliação do INSS e a judicialização pelo abuso das vias recursivas. “Trata-se daquelas pessoas que não aceitam um indeferimento e decidem discutir a questão até o final, independentemente do desfecho. Esse tipo de litigância é inevitável”, comentou.

Novas regras

No final de 2024, em meio a um pacote de medidas legislativas para conter gastos primários da União, o presidente Lula sancionou a Lei 15.077/24, que endurece as regras de concessão do BPC, com a atualização periódica dos titulares do auxílio. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, declarou que a nova legislação deve fortalecer a fiscalização contra fraudes e reduzir a judicialização.

“Iremos fazer ajustes para diminuir a judicialização dos programas sociais. Dos 3 milhões de beneficiários do BPC, 1 milhão não tem doenças cadastradas no sistema CDI. Disso, 70% vieram de decisões liminares do Judiciário”, expôs durante a apresentação do Pacote Fiscal.

No entanto, o advogado André Blotta Laza, especialista em tributação previdenciária, entende que as mudanças não deverão impactar a alta judicialização do benefício. Segundo ele, com a exigência de atualização cadastral, é possível que haja um aumento na litigiosidade, sob o argumento de que a nova lei cria obstáculos para os beneficiários que moram em regiões com pouca infraestrutura.

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“Com os novos critérios objetivos, como a necessidade de atualização cadastral, pessoas em regiões remotas, sem infraestrutura adequada, podem encontrar dificuldades para cumprir as exigências. Isso provavelmente resultará em mais ações judiciais alegando que a legislação cria obstáculos desproporcionais, especialmente para populações vulneráveis”, afirmou.

O advogado ressalta que a nova legislação não deve alterar a jurisprudência firmada que flexibiliza a concessão de auxílios. Ele considera que, a partir da operacionalização das novas regras, uma política mais restritiva para a concessão poderá penalizar as pessoas aptas ao BPC e, por consequência, aumentar a judicialização.

“A conclusão é que, no longo prazo, essa estratégia não é sustentável. Apesar do esforço no curto e médio prazo para reduzir custos com os cortes, isso não deve surtir o efeito esperado, pois o Poder Judiciário tende a conceder os benefícios assim que os requisitos forem devidamente comprovados”, explica.

Blotta Laza pondera que a nova legislação uniformiza os critérios de concessão, o que poderá agilizar a análise do requerimento. Além disso, ao estabelecer o CID (Classificação Internacional de Doenças) como critério para avaliação do amparo às pessoas com deficiência, ele avalia que as novas regras garantem maior objetividade à perícia médica.

O advogado afirma que a legislação atualizou o processo administrativo para o pedido. Para ter acesso ao BPC, é possível fazer o requerimento no aplicativo Meu INSS, pelo telefone 135 ou nas agências da Previdência Social. “Caso o pedido seja negado na primeira instância administrativa, o beneficiário pode interpor recurso automaticamente dentro da própria assistência social. Se o recurso não for deferido ou o processo for demorado, ele pode buscar o auxílio de um advogado ou se dirigir aos Juizados Especiais Federais”, explica.

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