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Opinião|Braseiro

Por mais dramática que seja a presente crise, ainda não foi capaz de superar o modelo mental que considera investimentos em proteção e qualidade ambiental como despesas supérfluas, redutoras das taxas de lucro a curto prazo. É a mentalidade ilusória do “Pibão grandão”

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convidado
Por Luiz Henrique Lima

Os grandes poetas têm o dom de iluminar aspectos singulares da realidade, até então obscurecidos pela rotina mecânica, e de descrevê-los com beleza, leveza e sensibilidade, despertando emoções naqueles que os leem. Versos imortais são aqueles tão perfeitos quanto óbvios, mas que ninguém imaginara até que um poeta o criasse.

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Pablo Neruda foi um dos maiores poetas do século XX, tendo recebido o Prêmio Nobel de Literatura. Chileno, engajado nas lutas sociais, sempre esteve atento ao que ocorria em nosso país e no seu livro Canto Geral incluiu o poema ‘Brasil’, que chama de “árvore eterna”, e no qual celebra a diversidade e a beleza do país, mencionando suas paisagens exuberantes, a riqueza cultural e a força do povo brasileiro. Menos conhecido é um outro poema, chamado ‘Fim de Mundo’, do longínquo 1972, do qual extraí esses versos, no original em espanhol:

“oh Brasil brasero brutal

que calla encendido en su brasa ...”

Brasil, braseiro brutal.

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Aí está a descrição do que vivemos neste setembro de 2024. Nosso país arde em inumeráveis focos de incêndio. Nossas matas e plantações queimam. Nossos rios secam. Nossa fauna morre, carbonizada ou sufocada. A fumaça cobre nossas cidades e invade nossos lares. O país está sob ocupação e refém de um clima hostil, que não é senão a reação da natureza à secular destruição imposta por nós mesmos.

Somos um braseiro brutal, acendido por nós mesmos e do qual não temos controle.

Por nós? Sim, os que ignoramos os alertas da ciência, os que zombamos dos ambientalistas, os que pregamos contra as normas de proteção ambiental, os que promovemos o sucateamento do sistema nacional do meio ambiente, os que permitimos que negacionistas das mudanças climáticas até bem pouco tempo conduzissem a política ambiental brasileira. Nós, os que agora nos engasgamos com a fumaça onipresente, mas que escolhemos representantes que atuam contra os “excessos” da legislação ambiental, que tem sido sistematicamente atacada e debilitada nas esferas municipais, estaduais e federal.

Medidas emergenciais são anunciadas. Tardias e insuficientes. Abundantes nas intenções declaradas, mas frágeis na determinação e na governança para serem executadas.

Por mais dramática que seja a presente crise, ainda não foi capaz de superar o modelo mental que considera investimentos em proteção e qualidade ambiental como despesas supérfluas, redutoras das taxas de lucro a curto prazo. É a mentalidade ilusória do “Pibão grandão”, que permeia todos os espectros ideológicos e que nos trouxe até aqui, reduzindo nosso verde a cinzas.

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De longe e há tempos, o poeta Neruda nos disse como somos, muito antes de percebermos: Brasil, braseiro brutal.

Até quando?

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Luiz Henrique Lima
Conselheiro independente certificado e professor. Foto: Arquivo pessoal
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