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Opinião | Brasil e EUA no combate à corrupção: já foi melhor, mas dá para piorar

Tanto nos EUA quanto no Brasil, o recado foi dado: combater a corrupção pode ser ótimo para discursos de campanha, mas, na prática, melhor mesmo é saber quando parar. O desafio para ambos os países será enorme para reverter esses retrocessos

convidado
Por Ligia Maura Costa

Hoje, se há algo que une Brasil e os EUA, além do amor por fast food e reality shows, é o enfraquecimento do combate à corrupção. De um lado, no Brasil, a Lava Jato foi desmontada com uma precisão cirúrgica que faria qualquer corrupto soltar fogos de artificio. De outro, nos EUA, o presidente Donald Trump decidiu que já tinha problemas demais e resolveu “dar uma mãozinha” aos amigos empresários—afinal, nada como um pequeno ajuste nas regras quando elas atrapalham os negócios.

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Ao comparar o combate à corrupção nos EUA e no Brasil, ficam claras as diferenças entre duas trajetórias distintas. Enquanto os EUA buscavam implementar leis como o Corporate Transparency Act (CTA) e o Foreign Extortion Prevention Act (FEPA), voltadas à prevenção da lavagem de dinheiro, do financiamento ao terrorismo e do pagamento de subornos, uma recente reviravolta pode mudar esse cenário. O Brasil enfrentava já há algum tempo o desmantelamento de mecanismos de fiscalização e a fragilização institucional no combate à corrupção, tanto no âmbito legislativo quanto no judiciário e no executivo. Além disso, uma série de medidas dificultaram, ou mesmo inviabilizaram, a luta contra a corrupção em larga escala. Apesar das diferenças de abordagens e desafios distintos, são muitas as reflexões sobre a importância do fortalecimento das instituições democráticas.

Nos EUA, apesar dos avanços legislativos, o caminho nunca foi sem obstáculos. O CTA, promulgado em 2021, obriga pequenas e médias empresas a reportarem ao Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), uma agência do Departamento do Tesouro norte-americano dedicada ao combate de crimes financeiros, informações sobre seus reais beneficiários, visando coibir práticas como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Entretanto, sua implementação está suspensa devido a questionamentos judiciais que desafiam a constitucionalidade da lei, aguardando uma decisão definitiva da Suprema Corte. Já o FEPA, sancionado em dezembro de 2023, amplia o combate à corrupção internacional ao criminalizar a exigência ou aceitação de propinas por funcionários estrangeiros. Diferente do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a primeira legislação anticorrupção do mundo e referência para todo o arcabouço jurídico subsequente, que pune apenas a oferta de subornos por cidadãos ou empresas sob jurisdição dos EUA, o FEPA criminaliza também quem solicita subornos de indivíduos ou empresas sob jurisdição dos EUA. Essas iniciativas, embora promissoras, enfrentam o desafio de uma implementação eficaz e dependem da independência dos órgãos fiscalizadores. Os EUA conseguiram avançar com uma legislação robusta, ainda que a eficácia dessas leis dependa da independência dos órgãos responsáveis pelo seu monitoramento e controle.

Apesar dos avanços legislativos, a independência das instituições nos EUA foi posta em xeque com recente decisão do presidente Donald Trump de demitir advogados do Departamento de Justiça ligados a processos contra ele. Se não bastasse isso, o presidente Trump assinou uma ordem executiva determinando a suspensão do FCPA, até a promulgação de novas diretrizes para sua aplicação. O argumento apresentado para a ordem executiva é que o FCPA coloca as empresas dos EUA em desvantagem competitiva frente a concorrentes internacionais. Agora, com a nova ordem executiva de Trump, o cenário pode mudar muito. O Departamento de Justiça, sob orientação da procuradora-geral Pam Bondi, deve rever e parar todas as ações em andamento relacionadas ao FCPA até que as novas diretrizes sejam publicadas. Isso representa uma guinada no compromisso dos EUA com a fiscalização de práticas corruptas, podendo enfraquecer décadas de esforços para responsabilizar empresas e indivíduos por corrupção transnacional. Tradução: fiquem tranquilos, corruptos, que a fiscalização entrou em recesso por prazo indefinido. Vale dizer, porém, que uma ordem executiva não tem o condão de revogar uma legislação federal, como o FCPA. Entretanto, seu impacto no combate à corrupção não pode nem deve ser minimizado.

No Brasil, o roteiro é parecido. Depois de uma temporada de prisões midiáticas e “megadelações”, o combate à corrupção foi demolido em ritmo acelerado. Ferramentas importantes como as forças-tarefas foram desmanteladas, mudanças legislativas, como a transferência de casos de corrupção para a Justiça Eleitoral e alterações na execução de penas após a segunda instância, enfraqueceram a capacidade de punição dos crimes de corrupção trazendo um cenário de desmonte. Além disso, decisões judiciais questionáveis, multas renegociadas com descontos vultosos e cortes orçamentários em órgãos essenciais minam os esforços anticorrupção no país.

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Entre as decisões judiciais questionáveis, destaca-se a anulação de provas da Operação Lava Jato pelo Supremo Tribunal Federal (STF), inviabilizando processos e extinguindo condenações de políticos e empresários envolvidos em corrupção. Quanto à renegociação de multas, destaca-se a redução dos valores originalmente estabelecidos em acordos de leniência. Nesse cenário, um dos maiores agravantes é o fato de agentes da lei hesitarem em agir por medo de represálias políticas ou institucionais, o que gera um ambiente em que a impunidade prevalece. O resultado é um sistema em que a impunidade prevalece, especialmente nos grandes casos de corrupção.

Tanto nos EUA quanto no Brasil, o recado foi dado: combater a corrupção pode ser ótimo para discursos de campanha, mas, na prática, melhor mesmo é saber quando parar. O desafio para ambos os países será enorme para reverter esses retrocessos e garantir que suas instituições permaneçam comprometidas com a transparência e o combate à corrupção. Brasil e EUA mostram que o combate à corrupção só funciona de verdade com instituições fortes, engajamento social e pressão contínua da sociedade civil—ou seja, é como academia: se parar de malhar, tudo volta a cair.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Ligia Maura Costa
Advogada, professora titular na FGV EAESP, coordenadora do FGVethics e conselheira independente. Foto: Inac/Divulgação
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