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Breves ponderações sobre a redação de códigos de conduta (basta trasladar normas estatais já postas?)

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Por Gabriel Marson Junqueira
Gabriel Marson Junqueira. Foto: Inac/Divulgação

A espinha dorsal da cultura de compliance - quiçá do sistema de conformidade como um todo - é o código de conduta. Cuida-se de medida acolhida, inicialmente, pelo corporate compliance, mas depois incorporada também pela Administração Pública[1]. Sua adoção pelo setor público foi expressamente preconizada pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (art. 8.2).

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No corporate compliance, contudo, não existem muitas dúvidas quanto ao caráter obrigatório dos códigos de conduta. A obrigatoriedade deriva diretamente do poder de direção do empregador. Já no public compliance, em razão do marco jurídico da Administração Pública ser diferente, essa possibilidade - de imposição de sanção disciplinar pelo descumprimento do código de ética - não é tão clara, em que pese tenha sido também aconselhada pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (art. 8.6).

O entendimento do caráter preventivo dos códigos de ética exige, em nosso sentir, um retorno à raiz jurídica da teoria das técnicas de neutralização da culpa. As normas jurídicas em geral raramente aparecem como imperativos categóricos. Em vez disso, costumam surgir como "guias qualificadas de ação"[2], ou seja, possuem "flexibilidade", a qual é ainda mais proeminente em matéria de criminalidade de colarinho branco. Daí a importância preventiva dos códigos de conduta: densificar e reduzir a "flexibilidade" de normas mais abstratas, aumentando, assim, a previsibilidade e a consciência dos agentes públicos quanto a qual o comportamento esperado em cada situação.

Além dessa função, ligada à teoria das técnicas de neutralização, os códigos de conduta possuem ainda outras duas, que se relacionam com a teoria do crime de colarinho branco e com a da associação diferencial. Segundo esta última, a conduta criminosa resulta de um processo de aprendizagem, ocorrido notadamente no interior de grupos - como as organizações, públicas e privadas. Nessa linha, os códigos de ética possuem a importante missão de contrariar o processo de aprendizagem criminal[3], esclarecendo aos agentes públicos quais são as normas e valores que imperam na Administração Pública.

No que concerne à teoria do crime de colarinho branco, sabe-se que uma das facilidades comumente à disposição desses criminosos consiste na possibilidade de esconder a intenção criminosa em meio a rotinas profissionais formalmente legítimas. Em razão disso, os códigos de conduta devem procurar esclarecer quais são as rotinas profissionais verdadeiramente legítimas. Vale dizer, devem buscar a eliminação das possibilidades de invocação de descuido, falta de preparo ou falta de condições para exercer corretamente suas atribuições.

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Com relação ao conteúdo, valem, aqui, as mesmas observações que costumam ser feitas por ocasião do exame dos códigos de conduta das empresas. Em outras palavras, tais códigos, também na Administração Pública, não podem se limitar a trasladar normas estatais já postas. Os códigos de conduta devem ir além da lei, em dois sentidos distintos, basicamente - e esse é o ponto principal que gostaríamos de destacar neste texto.

Num primeiro sentido, devem instituir proibições que se situem já numa "zona prévia dos tipos penais". Logo, não podem implicar uma espécie de assessoramento aos agentes públicos para que se movam no "fio da navalha", como aduz Adán Nieto Martín[4]. Em razão disso, reputamos equivocados, v.g., os códigos de conduta que autorizam agentes públicos a receberem presentes até determinados valores.

Num segundo sentido, até para reduzir, de fato, a referida "flexibilidade" das normas jurídicas, os comportamentos devidos em cada atividade e em cada órgão devem ser detalhados ao máximo. Não apenas mediante "normas de conduta" (exemplo: "não aceite presente, quando o oferecimento se ligue, direta ou indiretamente, ao exercício da função pública"), mas também mediante "normas de controle" (exemplo: "toda oferta de presente, relacionada, direta ou indiretamente, com a função pública, deverá ser comunicada pelo agente público, por escrito, em até três dias úteis, ao departamento de compliance")[5].

Aliás, justamente por conta da necessidade de detalhar ao máximo os comportamentos devidos, bem assim em razão do tamanho e da complexidade - quase ubiquidade - do Estado, parece-nos impossível a adoção de um único código de conduta para toda a Administração Pública. Desse modo, a nosso ver, na linha do que tem sido defendido na esfera da conformidade normativa empresarial, é recomendável a adoção de um código geral, aplicável a todos os agentes públicos, e de vários códigos ou manuais setoriais.

[1] ADÁN NIETO MARTÍN, De la ética pública al "public compliance"..., Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, Cuenca, 2014, p. 21.

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[2] SYKES e MATZA, Techniques of Neutralization: A Theory of Delinquency, in American Sociological Review, Volume 22, 1957, p. 666.

[3] ADÁN NIETO MARTÍN, De la ética pública al "public compliance"..., cit., p. 21.

[4] Problemas fundamentales del cumplimiento normativo en el derecho penal..., Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 120. O autor, nesse contexto, examina a conformidade normativa empresarial, todavia.

[5] Referências a "normas de conduta" e a "normas de controle", como espécies do gênero "normas de desenvolvimento", são feitas, no âmbito do compliance das empresas, por JUAN ANTONIO LASCURAÍN, Los programas de cumplimiento como programas de prudencia penal..., Coimbra, v. 25,1/4, jan./dez. 2015, p. 109.

Este texto corresponde, em larga medida, ao item 4.2.1.1, do livro A prevenção da corrupção na administração pública: contributos criminológicos, do corporate compliance e public compliance (Editora D´Plácido), do mesmo autor.

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*Gabriel Marson Junqueira, promotor de Justiça do Estado de São Paulo. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Autor do livro A prevenção da corrupção na Administração Pública, pela Editora D'Plácido

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

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