
É muda miúda. De idade desconhecida, a maior, não chega a sete centímetros. Contei quatorze folhas. A menor, tem metade. Lado a lado, como irmãs, nasceram e vivem numa fresta de pedra. Isoladas. É o que traz a foto ali em cima. Eu mesmo tirei.
Nada do frescor de uma sombra, da companhia de um arbusto adolescente ou de uma planta mais taluda; daquela solidão, minhoca foge e a passarinhada desvia.
A lajota rachou, a terra juntou, a chuva regou e a Brilhantina - esse é o nome popular da planta - embalou.
- É erva daninha.
- Corta essa praga.
- Brilhantina espalha mais que notícia ruim.
- Não dá flor, não dá fruta, não dá nada, só dor de cabeça.
As duas Brilhantinas enfrentam a língua maldosa dos vizinhos, o calor e a secura do início do outono com indiferença. Desafiam o deserto urbano. O caule frágil engrossa, a folha verde, mais verde fica. Crescem cada dia alguma fração de milímetro. Pra cima e pro lado.
Sobrevivem numa área escondida, os fundos de um pequeno sala e dois quartos no térreo de um velho prédio mal cuidado.

Dona Violeta Pinheiro, a inquilina, chegou com projetos sem nem olhar pra elas. Quase pisou em cima
Com um caminhão de terra a área virava quintal, sonhava. Se investisse em grama teria um jardim.
O importante era arrancar o piso seco e duro e semear a nova paisagem de plantas e flores.
Porém, a resposta da síndica veio cortante como a lajota lascada.
- Proibido mexer na estrutura do edifício. No máximo, pode colocar uns vasos de planta.
Dona Violeta comprou um a um. De barro, cimento, cerâmica. Quase quarenta e, hoje, do chão árido a gente só vê um pedaço, aquele da Brilhantina.
O limão já deu caipirinha; a amora, geleia.
Primavera, alamanda e azaleia se revezam. O passaredo bate ponto de manhã e à tarde.
Presentes do morador de cima, chegaram orquídeas e bromélias. São vizinhas da lavanda. Umas na sombra, a outra no sol. O perfume se combina com o aroma do jasmim e da flor roxa do bambu. Do namorado, veio a composteira que transforma lixo orgânico em adubo.
Quando o homem, finalmente, reconhece o perigo da crise climática. A minifloresta da Violeta se expande, exuberante e minúscula.
Na fresta suja e quebrada da lajota, as Brilhantinas acompanham as vizinhas, ganham novas folhas e tentam se espalhar no poluído centro de São Paulo, sob o olhar agora admirado da moradora-jardineira. Reparou, caro leitor, querida leitora? Violeta Pinheiro, nome de flor, sobrenome de árvore.

Outras Brilhantinas brotam. Persistem no vão das calçadas abandonadas, no buraco do viaduto mal cuidado, em quina de muro pichado. Por menor que seja o espaço, elas se apertam e florescem.
A Brilhantina imita o comportamento de muitos brasileiros e brasileiras. O professor de escola pública dos bairros mais violentos, a enfermeira do SUS dos hospitais mais distantes, os entregadores que arriscam a vida pra muçarela da pizza não endurecer. Resistem no ambiente insalubre, desigual. Crescem e brilham na escuridão injusta. Como planta nascida no cimento.
*Luis Cosme Pinto, escritor. Neste sábado, 15, ele lança seu livro de crônicas, Birinaites, Catiripapos e Borogodó, na livraria Folha Seca, rua do Ouvidor, 37, Centro do Rio de Janeiro, das 13h às 16h