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Brilhantina

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Por Luis Cosme Pinto
 Foto: Luis Cosme Pinto/Arquivo pessoal

É muda miúda. De idade desconhecida, a maior, não chega a sete centímetros. Contei quatorze folhas. A menor, tem metade. Lado a lado, como irmãs, nasceram e vivem numa fresta de pedra. Isoladas. É o que traz a foto ali em cima. Eu mesmo tirei.

Nada do frescor de uma sombra, da companhia de um arbusto adolescente ou de uma planta mais taluda; daquela solidão, minhoca foge e a passarinhada desvia.

A lajota rachou, a terra juntou, a chuva regou e a Brilhantina - esse é o nome popular da planta - embalou.

- É erva daninha.

- Corta essa praga.

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- Brilhantina espalha mais que notícia ruim.

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- Não dá flor, não dá fruta, não dá nada, só dor de cabeça.

As duas Brilhantinas enfrentam a língua maldosa dos vizinhos, o calor e a secura do início do outono com indiferença. Desafiam o deserto urbano. O caule frágil engrossa, a folha verde, mais verde fica. Crescem cada dia alguma fração de milímetro. Pra cima e pro lado.

Sobrevivem numa área escondida, os fundos de um pequeno sala e dois quartos no térreo de um velho prédio mal cuidado.

 Foto: Luis Cosme Pinto/Arquivo pessoal

Dona Violeta Pinheiro, a inquilina, chegou com projetos sem nem olhar pra elas. Quase pisou em cima

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Com um caminhão de terra a área virava quintal, sonhava. Se investisse em grama teria um jardim.

O importante era arrancar o piso seco e duro e semear a nova paisagem de plantas e   flores.

Porém, a resposta da síndica veio cortante como a lajota lascada.

- Proibido mexer na estrutura do edifício. No máximo, pode colocar uns vasos de planta.

Dona Violeta comprou um a um. De barro, cimento, cerâmica. Quase quarenta e, hoje, do chão árido a gente só vê um pedaço, aquele da Brilhantina.

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O limão já deu caipirinha; a amora, geleia.

Primavera, alamanda e azaleia se revezam. O passaredo bate ponto de manhã e à tarde.

Presentes do morador de cima, chegaram orquídeas e bromélias. São vizinhas da lavanda. Umas na sombra, a outra no sol. O perfume se combina com o aroma do jasmim e da flor roxa do bambu. Do namorado, veio a composteira que transforma lixo orgânico em adubo.

Quando o homem, finalmente, reconhece o perigo da crise climática. A minifloresta da Violeta se expande, exuberante e minúscula.

Na fresta suja e quebrada da lajota, as Brilhantinas acompanham as vizinhas, ganham novas folhas e tentam se espalhar no poluído centro de São Paulo, sob o olhar agora admirado da moradora-jardineira. Reparou, caro leitor, querida leitora? Violeta Pinheiro, nome de flor, sobrenome de árvore.

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Luis Cosme Pinto. Foto: Arquivo pessoal

Outras Brilhantinas brotam. Persistem no vão das calçadas abandonadas, no buraco do viaduto mal cuidado, em quina de muro pichado. Por menor que seja o espaço, elas se apertam e florescem.

A Brilhantina imita o comportamento de muitos brasileiros e brasileiras. O professor de escola pública dos bairros mais violentos, a enfermeira do SUS dos hospitais mais distantes, os entregadores que arriscam a vida pra muçarela da pizza não endurecer. Resistem no ambiente insalubre, desigual. Crescem e brilham na escuridão injusta. Como planta nascida no cimento.

*Luis Cosme Pinto, escritor. Neste sábado, 15, ele lança seu livro de crônicas, Birinaites, Catiripapos e Borogodó, na livraria Folha Seca, rua do Ouvidor, 37, Centro do Rio de Janeiro, das 13h às 16h

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