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Broteradas na São Francisco

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Por José Renato Nalini
José Renato Nalini. Foto: IARA MORSELLI/ESTADÃO

Os primórdios da São Francisco, a primeira Faculdade de Direito instalada no Brasil, são ricos em folclore acadêmico. As figuras do diretor e dos professores eram avaliadas por suas características insólitas e um vasto anedotário se erigiu a respeito deles.

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O primeiro lente nomeado foi Avelar Brotero, que manteve um relacionamento conflituoso com o primeiro diretor, Arouche Rendon. Este chegou a solicitar demissão do cargo - e o fez em inúmeras vezes - para se livrar da convivência com Brotero.

Este se encarregou de elaborar um compêndio para uso dos alunos, em cumprimento ao artigo 7º da Lei de 11 de agosto de 1827, que criou as duas escolas de direito, a de São Paulo e a de Olinda. Em 1830, o dr. Brotero envia ao Ministro do Império o seu compêndio, para aprovação pela assembleia geral. O manual não só deixou de ser aprovado, como ganhou severas críticas dos parlamentares.

Lino Coutinho a ele se referiu como "vergonha das vergonhas pelas suas imbecilidades". Prejudicial pelas "más doutrinas que nele se encerram". Ainda assim, o compêndio foi entregue à Comissão de Instrução Pública e, depois de vinte dias, os deputados Soares da Rocha, A.J. do Amaral e A. Ferreira França opinaram: "A comissão de instrução pública examinou o compêndio de direito natural, composto e oferecido a esta Augusta Câmara pelo lente do 1º ano jurídico de São Paulo, e observando que não tem ligação e harmonia nas matérias, nem uniformidade no estilo, sendo uma verdadeira compilação de diferentes autores, que não seguiram os mesmos princípios nem se exprimiram no mesmo estilo; que os raciocínios não têm força de convicção, nem os termos clareza e precisão que compreende matérias heterogêneas ao direito natural, e notas repetidas e mui extensas; é, portanto, de parecer que não seja admitido no curso jurídico, devendo-se ensinar o direito natural por outro compêndio que melhor desempenhe a matéria".

Avelar Brotero, diz Almeida Nogueira, era "mais do que eloquente, era eloquentíssimo". Dado a arroubos, causava entusiásticos aplausos da mocidade. Muito satisfeito com as demonstrações, fingia repreendê-los, dizendo que os aplausos não eram permitidos pelo estatuto. Mas logo acrescentava, indulgente: "Mas quem é que pode dominar a emoção? Ora! Aplaudam, meus meninos, aplaudam quanto quiserem ao seu velho mestre!".

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Paradoxalmente, era opressor dos empregados. "E neste afã, era meticuloso. Ocupava-se até das mais ínfimas criaturas". Perseguia o servente "Zé Quieto", o contínuo Siqueira, vulgo "Chico Guaiaca" e o contínuo Mendonça. Este, um dia, irritado, disse: "Eu suplico a Vossa Excelência que não me persiga, não, porque eu também sou maluco". De bom humor nesse dia, Brotero gargalhou.

Ficaram célebres, na crônica acadêmica, as chamadas "broteradas". É que Brotero, uma catadupa de eloquência, "não podia exprimir-se vagarosamente. É que as ideias lhe acudiam com precipitação e não podia ele então, sem lhes prejudicar o enunciado, disciplinar as palavras e proferi-las pausadamente. As ideias fugiriam e completa seria a perturbação do discurso".

Isso fazia com que ele atropelasse as sílabas e as trocasse, de forma confusa e engraçada. Nas "tradições e reminiscências", Almeida Nogueira assinala que dentre as clássicas "broteradas", estão "cidadeiro brasilão", "vidrada quebraça", "limenta com pimão", "palavras moucas, ouvidos loucos", "Sayato Lobão", em lugar de Sayão Lobato, "C. Mastro" por Magalhães Castro, "Mouto ...galhães", por Couto Magalhães".

Ao ser chamado à atenção, queria corrigir o equívoco e soltava: "Ora! Meus meninos, "bolei as trocas, bolei as trocas".

O próprio Imperador comentava uma dessas "broteradas": foi quando o professor o chamou de "Imperial Constitucionador". Por ocasião da visita do Imperador Pedro II a São Paulo, em 1847, Brotero, ao recepcioná-lo, brindou-o: "Apresento a Vossa Majestade o Senhor Cônego Retórica, professor de Fidélis".

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Na mesma ocasião, quando preparava a Academia para a visita do Imperador, ordena ao contínuo Mendonça: "Sr. Imperador, Sr. Imperador, apaga essas Mendoncinhas que o Garatuja aí vem...".

Ocorria o mesmo fenômeno nas aulas. Ao falar de um passeio pelo campo, lá vinha: "...o gado a saltar de galho em galho, os passarinhos a pastarem pela relva...". E como acontece até hoje com muitos oradores que se apoiam em alguma muletinha gramatical, ele intercalava, sem qualquer sentido, a locução "por consequência". "Um milhão de fatos, meus meninos; meus meninos, um milhão de fatos, não constitui...por consequência, um direito". Outras vezes, ao apresentar alguém, dizia: "Cônego Fidelis Seringa Maringa, por consequência de Moraes".

Todas essas estórias integram o patrimônio jocoso e afetivo das Arcadas. Hoje, o surpreendente número de alunos e de mestres impede o contato pessoal e faz desaparecer um anacronismo singelo e tão humano.

*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

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