PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião|Bullying da exclusão

O problema é muito complexo, como complexo é nosso tempo. Mas precisamos levar a sério criar uma cultura de paz e de inclusão que se oponha ao bullying mais venenoso de nosso tempo, que é o bullying da exclusão. Essa é uma forma de crueldade que continua se multiplicando debaixo de nosso nariz

PUBLICIDADE

convidado
Por Marco Antonio Spinelli

O meu mestrado junto à Faculdade de Medicina da USP, em meados dos anos 90, foi sobre a Psiquiatria da Adolescência, com enfoque no adolescente dentro de um Hospital Geral. No decorrer da minha carreira, como psiquiatra e psicoterapeuta, preferi me dedicar a uma Psiquiatria Geral, mas com ênfase no atendimento de adultos jovens até os idosos.

PUBLICIDADE

Hoje em dia, me lembro do que era estudar e trabalhar com adolescentes e como isso mudou no decorrer desses quase trinta anos; como tudo foi ficando mais complexo com o advento da internet, dos Smartphones, das Redes Sociais e dos canais de streaming.

Em 2017 a Netflix lançou a série “Thirteen Reasons Why” (Os Treze Porquês), sobre uma menina, Hanna Baker que, após o seu suicídio deixa uma caixa com treze fitas cassete apontando, uma a uma, as situações de bullying, exclusão, traição, estupro e indiferença de professores e escola que tinham provocado o seu ato. Na época, foi um forrobodó: imprensa noticiando, pais desesperados, psiquiatras sendo convocados para orientação nas escolas, hotlines sendo disponibilizadas por medo que aquela série deflagrasse uma onda de comportamentos de imitação, o chamado “efeito Werther”(em 1774, Goethe publicou um livro: “Sofrimentos do Jovem Werther”, sobre um rapaz que, diante de um sofrimento amoroso e amor impossível, comete suicídio. Esse livro desencadeou uma onda de suicídios na Europa. Duzentos anos depois, foi descrito o “Efeito Werther”, que é esse comportamento de imitação que se segue a um suicídio divulgado pela mídia). Depois de quinze dias do lançamento da série, as reuniões das escolas foram canceladas, as hotlines desativadas e a tal epidemia de suicídios não aconteceu. Estudos posteriores americanos demonstraram sim um aumento na ideação suicida e no número relativo de suicídios, mas a causa apontada não foi a Série nem o Netflix, e sim a excessiva exposição do tema na mídia, que afetou pacientes vulneráveis.

No dia 12 de Agosto passado, um aluno bolsista de um colégio importante e de elite da cidade de São Paulo, mandou uma mensagem de voz a seus colegas anunciando seu suicídio iminente, mencionando, de maneira factual e quase distanciada, que, por conta de exclusões, bullying e sensação de humilhação por ser negro, pobre e abertamente gay, ele tomava aquela decisão. Ele tinha 14 anos e, infelizmente, cumpriu seu anúncio. Era estudioso, culto e sensível.

Não pude deixar de associar essa tragédia à série da Netflix. Sobretudo o início da mensagem, em que ele dizia que “agora ele iria colocar para fora tudo o que estava guardando”. Como as suas razões.

Publicidade

Nos dias que se seguiram, a imprensa não noticiou, a escola mandou os professores ajudarem os colegas, mas sem a intensidade de uma Posvenção, que são medidas de proteção à comunidade afetada por um suicídio. O protocolo que teve início foi o de não dar manchetes nem destaque, para evitar o contágio do efeito Werther. Os alunos fizeram uma manifestação com críticas ao racismo, a homofobia e aos fatores que causaram essa perda. Não há como ter esse protocolo em tempos de WhatsApp. A notícia foi dada, sem alarde, na imprensa e com alarde nas Redes Sociais. Não dá para tentar suprimir o assunto. É melhor conversar sobre ele. Conversar muito.

Somos uma espécie gregária e social. Fazer parte do grupo e ser valorizado por ele é um instinto profundo e vital. Ficar de fora, ou ser excluído, é uma ameaça direta à sobrevivência. Somos, todos, sensíveis à necessidade de fazer parte. A exclusão ativa as áreas do Cérebro vinculadas à dor, e isso é particularmente delicado na Adolescência. Vivemos numa Cultura onde a exclusão virou uma espécie de terrorismo coletivo: um pequeno deslize, ou um grande deslize, podem gerar linchamento virtual e cancelamentos. A ameaça é de uma exclusão que parece eterna, inamovível. Para uma criança de 14 anos, não existe essa perspectiva de que a dificuldade possa ser superada com o passar do tempo. Por isso esse grupo, sobretudo no período entre os 10 e os 14 anos vem recebendo muita atenção de psiquiatras e psicoterapeutas infantis. Eles parecem estar com maior risco de exposição a esse tipo de bullying.

Não vou terminar esse artigo com nenhuma recomendação ou indicação de estratégia. O problema é muito complexo, como complexo é nosso tempo. Mas precisamos levar a sério criar uma cultura de Paz e de Inclusão que se oponha ao bullying mais venenoso de nosso tempo, que é o bullying da exclusão. Essa é uma forma de crueldade que continua se multiplicando debaixo de nosso nariz. E que se manifesta com o pavor de ser excluído. O medo de ficar de fora.

Convidado deste artigo

Foto do autor Marco Antonio Spinelli
Marco Antonio Spinellisaiba mais

Marco Antonio Spinelli
Médico, com mestrado em Psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress, o coelho de Alice tem sempre muita pressa”. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.