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Opinião|Caso Ana Hickmann e a Lei Maria da Penha

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convidado
Por Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo e Vinícius Fochi*

No último dia 11 de novembro, a apresentadora Ana Hickmann registrou boletim de ocorrência acusando o seu marido de agressão física, ato que teria ocorrido durante uma briga do casal em sua casa de veraneio no interior de São Paulo.

Ana Hickmann Foto: Instagram/@ahickmann

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O caso será investigado no âmbito da violência doméstica, nos termos previstos na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que considera “violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, nos termos de seu art. 5º.

As investigações ainda estão em fase embrionária, ou seja, carecem de maiores elementos para se apurar a verdade dos fatos e a consequente tipificação da conduta.

Todavia, segundo noticiado nos principais canais de comunicação, a apresentadora acusa seu cônjuge de agressão física, tendo como resultado, ao que tudo indica, lesões corporais, tipificando a conduta qualificada antevista no art. 129, §9, do Código Penal (Violência Doméstica), cuja pena prevista é de detenção, de três meses a três anos.

Vale lembrar, que os crimes de lesão corporal decorrente de violência doméstica contra a mulher, independentemente da gravidade dos ferimentos, devem ser processados mediante ação pública incondicionada, ou seja, a propositura da ação fica a cargo do Ministério Público e não depende de representação da vítima.

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O tema é objeto da Súmula 542 do Superior Tribunal de Justiça, que diz: “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.

Também merece destaque o fato de que a partir do início deste ano, em decorrência do advento da Lei 14.550/2023, as medidas protetivas tornaram-se autônomas, ou seja, elas não dependem do registro de um boletim de ocorrência, da instauração de um inquérito policial ou do início de uma ação penal.

As medidas protetivas podem ser decretadas a qualquer tempo e independentemente da vontade da vítima, desde que caracterizada a situação de risco em face dela.

Assim, muito embora a apresentadora já tenha sinalizado o desinteresse na decretação das medidas protetivas, diante da gravidade do ocorrido o instituto poderá ser aplicado independentemente de sua vontade.

Esta inovação, bem como o posicionamento da incondicionalidade da ação penal nos crimes de lesão corporal, visa efetivar a proteção à integridade (física e psicológica) da mulher que, muitas das vezes, por medo de represálias, acaba optando por não comunicar o fato ou não requerer a adoção de medidas protetivas em face do agressor.

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O Brasil é um país severamente marcado pela desigualdade social e pelo patriarcado, estrutura que afeta, principalmente, as mulheres, que, subvalorizadas ou alijadas do mercado de trabalho, acabam criando vínculos de dependência com seus parceiros e, não raramente, com seus agressores.

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Também é de se ressaltar que, diferentemente dos demais casos envolvendo o crime de lesão corporal, as condutas praticadas no âmbito da violência doméstica não comportam os institutos antevistos na Lei 9.099/95, como o caso da transação penal, por vedação expressa da Lei Maria da Penha, art. 41.

Por fim, em caso de eventual condenação, a Lei Maria da Penha veda a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de pagamento de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa, nos termos do art. 17, do referido diploma legal.

Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo e Vinícius Fochi Foto: Divulgação

Fao é que episódios como estes, vivenciados pela apresentadora, ocorrem todos os dias nos mais diferentes segmentos da sociedade brasileira.

Para além de resguardar os próprios direitos, a atitude da apresentadora de denunciar o ocorrido às autoridades competentes serve de incentivo às milhares de vítimas anônimas espalhadas pelo país, que dia após dia sofrem caladas, com medo de que o amanhã seja ainda pior.

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Violência doméstica não tem classe, cor, etnia ou religião. Ela é uma ferida aberta em nossa sociedade, que mata e limita a liberdade de quem é vítima. Afinal, como bem disse a Maria da Penha que inspirou a lei que leva seu nome, “a vida só começa quando a violência acaba”.

*Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo, advogada criminalista especializada em Direito Penal Europeu, é sócia do Damiani Sociedade de Advogados

*Vinícius Fochi, advogado criminalista no Damiani Sociedade de Advogados

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