Está impecável a denúncia apresentada pelo vice procurador-geral da República, Hindenburgo Chateaubriand Filho, no chamado caso Marielle.
Todos os operadores do direito sabem das dificuldades na obtenção de provas em homicídios encomendados e planejados.
Ainda mais quando os indicados como mandantes são poderosos, caso dos denunciados irmãos Brazão: deputado federal e conselheiro do Tribunal de Contados do Rio de Janeiro.
De se acrescentar, ainda, crime dado como planejamento por delegado de polícia incumbido de garantir a impunidade. E que à época manejaria a divisão policial estadual de crimes contra a vida.
Para convencer e servir de base a uma condenação criminal, a delação premiada do autor material, Ronnie Lessa, exige comprovação. No caso, e como ficará melhor exposto abaixo, os indícios poderão ser fundamentais.
Diante desse quadro, -- e com investigações marcadas por despistagens e pelo passar do tempo quanto aos dois consumados crimes (a destacar dois homicídios consumados e um tentado, todos pluriqualificados) -- , entendeu o vice procurador geral em apresentar um aprofundado exame de fatos pretéritos a indicar o interesse dos irmãos Brazão em eliminar a vereadora Marielle e deixar silentes o motorista e a sua assessora parlamentar.
Uma Marielle, como relatado na denúncia, que transformou-se, como vereadora e em razão da sua reta conduta política, uma pedra no sapato dos irmãos apontados como mandantes.
A prova trazida com a denúncia mostrou terem os irmãos, durante décadas, controlado territórios para fins eleitorais.
Eles desenvolveram, com apoio de milícias, atividade imobiliária, caracterizada pela grilagem e variada rede de laranjas para cessões de posses e algumas vezes se chegar à aquisição do domínio pela usucapião (a palavra é feminina).
Por exemplo, o denunciado Domingos possuía 87 imóveis, a maioria em Jacarepaguá.
Os irmãos denunciados, sempre com milicianos na linha de frente, em Jacarepaguá, Oswaldo Cruz e Rio das Pedras. Foram os mais votados, quando candidatos a vereador e deputado, estadual e federal. Ou seja, controlavam territórios e a sociedade local.
A denúncia, pelo exposto, faz lembrar o magnífico mosaico da basílica San Vitale, na cidade de Ravena, intitulado O Cortejo de Teodora, elaborado no século VI século d.C. De período medieval, o mosaico é considerado um dos mais perfeitos e belos do gênero.
Assim como indícios e presunções com lastro de suficiência servem para estribar condenação, segundo a jurisprudência, deve-se acrescentar a eles a delação do executor Ronnie Lessa.
A peça acusatória bem recorda, com prova inconcussa, a tentativa dos irmãos Brazão em obter legislação voltada a regularização de áreas fundiárias, no interesse pessoal.
Marielle fazia a oposição. Queria a regularização de áreas fundiárias, assentamentos e parcelamentos urbanos no interesse dos cidadãos de baixa renda. Combatia o cancro social representada pelas sempre violentas milícias.
Pelos documentos acostados à denúncia do Ministério Público, o dissenso entre os Brazão e Marielle, por questões referentes a assentamentos e loteamentos, era marcante e inconciliável.
No que toca ao delegado Rivaldo, a denúncia necessitará de confirmação durante a instrução probatória. A alegada orientação de o homicídio não dever ser consumado no trajeto de ida ou de volta da Câmara, para evitar especulações sobre interesse de políticos, não está bem amarrada. Idem, o enriquecimento de Rivaldo com milicianos e contraventores.
Com efeito, os denunciados terão o prazo de 15 dias para dar respostas à denúncia.
Depois disso, a Primeira Turma decidirá pelo recebimento ou rejeição da peça inicial acusatória.
Pelo apresentado, já existem elementos suficientes para o recebimento da denúncia e consequente início da ação penal.
As qualificadoras estão bem postas: promessa de recompensa; surpresa, torpeza de motivo, emboscada.
Os antecedentes fáticos estão apoiados em convincente prova. A motivação dos crimes , a preparação e a execução, bem colocadas.
Enfim e quanto à fundamental pergunta: a quem interessava a eliminação de Marielle?
A resposta vem bem respondida na denúncia: aos irmãos Brazão.
Lógico, sem vantagem financeira atraente, como receber loteamento para explorar e criar a sua própria milícia, Ronnie Lessa não teria nenhuma motivação para matar Marielle.
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