Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Caso Marielle: denúncia impecável mostra a quem interessava a eliminação da vereadora

A denúncia, pelo exposto, faz lembrar o magnífico mosaico da basílica San Vitale, na cidade de Ravena, intitulado O Cortejo de Teodora, elaborado no século VI século d.C. De período medieval, o mosaico é considerado um dos mais perfeitos e belos do gênero

PUBLICIDADE

convidado
Por Wálter Fanganiello Maierovitch

Está impecável a denúncia apresentada pelo vice procurador-geral da República, Hindenburgo Chateaubriand Filho, no chamado caso Marielle.

PUBLICIDADE

Todos os operadores do direito sabem das dificuldades na obtenção de provas em homicídios encomendados e planejados.

Ainda mais quando os indicados como mandantes são poderosos, caso dos denunciados irmãos Brazão: deputado federal e conselheiro do Tribunal de Contados do Rio de Janeiro.

De se acrescentar, ainda, crime dado como planejamento por delegado de polícia incumbido de garantir a impunidade. E que à época manejaria a divisão policial estadual de crimes contra a vida.

A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram mortos no dia 14 de março de 2018, no centro do Rio Foto: Mário Vasconcellos/CMRJ

Para convencer e servir de base a uma condenação criminal, a delação premiada do autor material, Ronnie Lessa, exige comprovação. No caso, e como ficará melhor exposto abaixo, os indícios poderão ser fundamentais.

Publicidade

Diante desse quadro, -- e com investigações marcadas por despistagens e pelo passar do tempo quanto aos dois consumados crimes (a destacar dois homicídios consumados e um tentado, todos pluriqualificados) -- , entendeu o vice procurador geral em apresentar um aprofundado exame de fatos pretéritos a indicar o interesse dos irmãos Brazão em eliminar a vereadora Marielle e deixar silentes o motorista e a sua assessora parlamentar.

Uma Marielle, como relatado na denúncia, que transformou-se, como vereadora e em razão da sua reta conduta política, uma pedra no sapato dos irmãos apontados como mandantes.

A prova trazida com a denúncia mostrou terem os irmãos, durante décadas, controlado territórios para fins eleitorais.

Eles desenvolveram, com apoio de milícias, atividade imobiliária, caracterizada pela grilagem e variada rede de laranjas para cessões de posses e algumas vezes se chegar à aquisição do domínio pela usucapião (a palavra é feminina).

Por exemplo, o denunciado Domingos possuía 87 imóveis, a maioria em Jacarepaguá.

Publicidade

Os irmãos denunciados, sempre com milicianos na linha de frente, em Jacarepaguá, Oswaldo Cruz e Rio das Pedras. Foram os mais votados, quando candidatos a vereador e deputado, estadual e federal. Ou seja, controlavam territórios e a sociedade local.

A denúncia, pelo exposto, faz lembrar o magnífico mosaico da basílica San Vitale, na cidade de Ravena, intitulado O Cortejo de Teodora, elaborado no século VI século d.C. De período medieval, o mosaico é considerado um dos mais perfeitos e belos do gênero.

Assim como indícios e presunções com lastro de suficiência servem para estribar condenação, segundo a jurisprudência, deve-se acrescentar a eles a delação do executor Ronnie Lessa.

A peça acusatória bem recorda, com prova inconcussa, a tentativa dos irmãos Brazão em obter legislação voltada a regularização de áreas fundiárias, no interesse pessoal.

Marielle fazia a oposição. Queria a regularização de áreas fundiárias, assentamentos e parcelamentos urbanos no interesse dos cidadãos de baixa renda. Combatia o cancro social representada pelas sempre violentas milícias.

Publicidade

Pelos documentos acostados à denúncia do Ministério Público, o dissenso entre os Brazão e Marielle, por questões referentes a assentamentos e loteamentos, era marcante e inconciliável.

No que toca ao delegado Rivaldo, a denúncia necessitará de confirmação durante a instrução probatória. A alegada orientação de o homicídio não dever ser consumado no trajeto de ida ou de volta da Câmara, para evitar especulações sobre interesse de políticos, não está bem amarrada. Idem, o enriquecimento de Rivaldo com milicianos e contraventores.

Com efeito, os denunciados terão o prazo de 15 dias para dar respostas à denúncia.

Depois disso, a Primeira Turma decidirá pelo recebimento ou rejeição da peça inicial acusatória.

Pelo apresentado, já existem elementos suficientes para o recebimento da denúncia e consequente início da ação penal.

Publicidade

As qualificadoras estão bem postas: promessa de recompensa; surpresa, torpeza de motivo, emboscada.

Os antecedentes fáticos estão apoiados em convincente prova. A motivação dos crimes , a preparação e a execução, bem colocadas.

Enfim e quanto à fundamental pergunta: a quem interessava a eliminação de Marielle?

A resposta vem bem respondida na denúncia: aos irmãos Brazão.

Lógico, sem vantagem financeira atraente, como receber loteamento para explorar e criar a sua própria milícia, Ronnie Lessa não teria nenhuma motivação para matar Marielle.

Publicidade

Convidado deste artigo

Foto do autor Wálter Fanganiello Maierovitch
Wálter Fanganiello Maierovitchsaiba mais

Wálter Fanganiello Maierovitch
Professor, presidente do Instituto Giovanni Falcone de Ciências Crimanais, desembargador de carreira aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, cavaliere dela Repubblica italiana. Foto: Denise Andrade/Estadão
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.