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Opinião | Cérebro plastificado

Haverá um encontro promovido pela ONU em novembro, na Coreia do Sul, do qual resultará o Tratado Global do Plástico. Mas é possível acreditar no cumprimento dos acordos frequentemente celebrados no âmbito das reuniões chamadas COP e outras?

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convidado
Por José Renato Nalini

Só estava faltando isto. Pesquisadores encontraram microplástico no cérebro humano. Foi um estudo realizado na Faculdade de Medicina da USP, em parceria com a Universidade Livre de Berlim e apoiado pelo Laboratório Nacional de Luz Nacional de Synchronton em Campinas.

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Foram analisados quinze cérebros de falecidos que moravam em São Paulo. Em oito deles, encontrou-se resíduo como fibras e partículas de plástico. Não eram pessoas que trabalhavam na indústria de produção do material. O polipropileno foi o tipo mais comum detectado. Ele está presente nas roupas, embalagens de alimentos, garrafas e pneus, que liberam partículas inaladas na respiração.

São minúsculos fragmentos de plástico, menores do que cinco milímetros e provenientes da decomposição e outros processos que os transformam em micropartículas. Elas mediram entre 5.5 e 26.4 nanômetros.

Não estão apenas no cérebro. Estão nos pulmões, no sistema reprodutivo e na corrente sanguínea dos humanos. Já ouvira de meu cardiologista que o plástico também está nas artérias e ajudam a causar o seu entupimento.

A surpresa dos pesquisadores ao descobrirem plástico no sistema nervoso foi porque este é considerado um dos mais protegidos do corpo humano, devido à barreira hematoencefálica, a estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue, conforme explica a professora da FMUSP, Thais Mauad. O objetivo do estudo era justamente verificar se esse material conseguia chegar até o cérebro.

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O resultado da pesquisa foi publicado no Journal of the American Medical Association (Jama), e indica a via olfativa como uma das prováveis rotas de entrada dos microplásticos no cérebro. Isso porque foram identificados fragmentos dessas partículas no bulbo olfatório, a área responsável por processar odores. Enquanto isso, a via sanguínea ainda deve ser estudada para analisar a capacidade desses materiais superarem a barreira hematoencefálica.

Será necessário o aprofundamento das pesquisas para se concluir que a presença de plástico no sistema nervoso é prejudicial à saúde? A influência nefasta já foi comprovada em relação a outros sistemas. Por exemplo, um risco quatro vezes maior de problemas cardíacos graves e morte em pessoas com o coração contaminado. Não são apenas danos cardíacos os ocasionados pelo plástico. A exposição contínua aos microplásticos e seus aditivos químicos gera uma série de outras consequências graves para a saúde humana, como distúrbios endócrinos e redução da fertilidade. Além disso, o microplástico é neurotóxico, levando a alterações no comportamento, lesão celular e até modificações de enzimas que são importantes para os neurotransmissores. São as moléculas responsáveis pela comunicação entre neurônios. Sem isso, os humanos perdem suas capacidades cognitivas e deixam de ser animais racionais.

Pense-se na criança que aspira esse microveneno, já que o plástico praticamente envolve nossa vida e impregna o ar que respiramos. Que excesso, que imprudência, que tragédia nós mesmos fabricamos para tornar cada vez mais perigosa esta nossa aventura terrena.

O plástico não é degradável por nossas enzimas. Vai se acumulando em nosso corpo. Suas partículas são internalizadas pelas células e interferem no seu metabolismo. Algo verdadeiramente trágico, principalmente para crianças com o cérebro em desenvolvimento, sujeito a alterações irreversíveis.

A recomendação é evitar que as crianças tenham contato com brinquedos de plástico, pois é comum os levem à boca. Não é só o plástico, mas os aditivos químicos, também venenosas.

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Como foi que chegamos a produzir mais de quinhentos milhões de toneladas de plástico, a cuja fabricação concorrem cerca de quatro mil produtos químicos, todos perigosos?

A ciência adverte a sociedade humana há muitas décadas. Ensaiou-se a substituição das sacolas plásticas dos supermercados por embalagem de papel. Só ensaiou-se. Haverá um encontro promovido pela ONU em novembro, na Coreia do Sul, do qual resultará o Tratado Global do Plástico.

Mas é possível acreditar no cumprimento dos acordos frequentemente celebrados no âmbito das reuniões chamadas COP e outras? Quantos os tratados que não surtiram efeito, apesar de terem sido assinados por mais de uma centena de países.

A humanidade se arroga a condição de racionalidade, só que se comporta de maneira irresponsável. E a indústria do plástico joga a culpa no consumidor, que não se preocupa em reciclar. Mas para acabar com esse material perigoso, a única alternativa plausível é deixar de produzi-lo. Você acredita que chegaremos a esse consenso?

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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