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Opinião|Citação por WhatsApp e redes sociais: decisões do STJ reforçam a urgência de regulação do tema

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Por Isabela Braga Pompilio* e Marlon Douglas Carvalho Rangel*

O WhatsApp, aplicativo de mensagens instantâneas mais utilizado pelos brasileiros, no contexto da pandemia da COVID-19, tornou-se mais um instrumento de comunicação dos atos processuais. O art. 8º da Resolução nº 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada durante a pandemia, foi responsável por respaldar a utilização do aplicativo pelos tribunais brasileiros, que se sentiram confortáveis para tratar do assunto em suas resoluções e portarias.

Isabela Braga Pompilio e Marlon Douglas Carvalho Rangel Foto: Divulgação

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A grande problemática é que, além de inexistir critérios objetivos para aferição da validade da comunicação dos atos processuais por WhatsApp, notadamente da citação, inaugurou-se um cenário de regras variadas e não homogêneas, o que inegavelmente potencializava a insegurança jurídica das partes e de seus advogados.

Foi diante desse cenário que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou, em 9 de agosto de 2023, o Recurso Especial nº 2.045.633/RJ, relatado pela Ministra Nancy Andrighi. Embora não exista previsão legal para a citação por meio do aplicativo WhatsApp, entendeu-se que o ato pode ser válido se cumprir a sua finalidade, nos moldes do art. 277 do Código de Processo Civil.

A Relatora salientou que as legislações processuais modernas têm se preocupado menos com a forma e mais com a investigação sobre a concretização do objetivo pretendido pelo ato processual defeituosamente praticado, ponderando que o princípio da liberdade das formas se sobrepôs ao princípio da tipicidade das formas.

Nessa linha, se, por um lado, há uma lacuna legislativa para regular de forma específica a matéria, por outro, a comunicação dos atos processuais por aplicativo de mensagens é uma prática comum em diversos tribunais brasileiros, conforme mencionado. Sendo assim, a Corte preocupou-se em julgar a matéria à luz de novos pressupostos de nulidade, esclarecendo que (i) a regra é a liberdade das formas; (ii) a exceção é a necessidade de uma forma prevista em lei; (iii) a inobservância de forma, ainda que grave, pode ser sempre relevada se o ato alcançar a sua finalidade.

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A Ministra Relatora, por fim, considerou que a citação pelo aplicativo WhatsApp poderá ser válida, mas apenas se a mensagem for, de fato, entregue ao destinatário por meio de um conteúdo “límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvida sobre qual ato ou providência deverá ser adotada a partir da ciência e no prazo fixado em lei ou pelo juiz”, ressalvando as hipóteses em que o ato deverá observar a forma expressamente prevista em lei. Em síntese, é correto afirmar que o posicionamento da 3ª Turma, nesse julgamento, foi pouco conservador, prestigiando o princípio da liberdade das formas e privilegiando a ciência inequívoca em detrimento da previsão legal para a prática da comunicação do ato processual via aplicativo de mensagens.

Já no julgamento do Recurso Especial nº 2.026.925/SP, na qual se discutia a citação por intermédio das redes sociais, também da relatoria da Ministra Nancy Andrighi e julgado na mesma sessão do caso anterior, a e. Terceira Turma do STJ adotou entendimento diverso do mencionado, em interpretação mais restrita e legalista.

Nesse voto, novamente a Ministra Relatora frisou a necessidade de regulação do assunto pelo Poder Legislativo e, na contramão da flexibilização arguida no voto anterior, reiterou que sequer existe autorização para comunicação dos atos processuais por meio de mensagens eletrônicas nas redes sociais (o que, por analogia, abarcaria também o WhatsApp!).

Ao final, a Relatora salientou que o princípio da instrumentalidade das formas apenas atenua o rigor processual especificamente nos casos em que o ato já foi praticado, convalidando-o. Em outras palavras, ponderou que não há que se validar, previamente, a prática de atos de forma distinta daquela prevista em lei, entendimento que proibiria, portanto, as intimações e citações praticadas por intermédio de redes sociais. Seu voto foi seguido pelos demais Ministros da Turma, à unanimidade.

Interessante notar que, ao apreciar o mérito, a Ministra observou que a facilidade na criação de perfis falsos, sem vínculo com dados básicos, seria uma questão problemática para a utilização de determinadas redes sociais para a comunicação oficial dos atos processuais. Sobre esse aspecto, vale dizer que o mesmo ocorreria com a citação via aplicativo WhatsApp, na medida em que não são incomuns os relatos de fraudes na criação de conta vinculada a números telefônicos de terceiros.

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Apesar de, à primeira vista, trazer um horizonte para o assunto e fixar diretrizes mínimas e basilares para os tribunais, vê-se que a e. Terceira Turma ainda se mostra conservadora quanto a utilização dos provedores de conteúdo como instrumento de prática de atos processuais, privilegiando o princípio da liberdade das formas tão-somente com relação aos aplicativos de mensagem.

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Vemos, então, um posicionamento não uniforme sobre a temática da realização de atos processuais via internet, com potencial de gerar a prolação de decisões, pelas instâncias ordinárias, das mais diversas interpretações sobre o assunto, tornando ainda mais fundamental o enfrentamento da matéria pelo Legislativo. Além disso, torna-se evidente que, muito embora a temática tenha chegado ao Superior Tribunal de Justiça, a Corte, no que diz respeito a interseção entre Direito e tecnologia, ainda passa por um processo de adaptação, lidando com tais questões, por conseguinte, de forma comedida e cautelosa.

Fato é que a falta de uma regulação robusta sobre o tema, associada a uma fase de cautela na construção de um novo direito processual digital, pode ocasionar, como um efeito colateral, a disseminação de golpes por meio do aplicativo de mensagens, algo que já vem sendo denunciado e divulgado por diversos tribunais brasileiros, como TJRO [https://www.tjro.jus.br/noticias/item/18370-tjro-faz-alerta-sobre-golpes-pelo-whatsapp-utilizando-nome-do-poder-judiciario], TJRS [https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/alerta-de-tentativa-de-golpe-em-envio-de-falsas-intimacoes-judiciais/], TJSP [https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=79419], TJRJ [https://cgj.tjrj.jus.br/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/1017893/85736313] e TJMT [https://www.tjmt.jus.br/noticias/74612].

Por isso, é fundamental que as empresas estejam atentas a esse cenário, buscando não só coibir golpes, mas também fortalecer suas estratégias internas visando evitar prejuízos não apenas processuais, mas também financeiros.

*Isabela Braga Pompilio é sócia de TozziniFreire Advogados, na área de Contencioso

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*Marlon Douglas Carvalho Rangel atua no escritório como advogado na mesma prática

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