Em julgamento apertado concluído nesta terça-feira, 23, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu aposentar compulsoriamente a desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, afastada do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A decisão põe fim ao processo administrativo aberto para apurar se a magistrada usou o cargo para beneficiar o filho preso por suspeita de envolvimento com o tráfico de drogas. O caso, que repercutiu na imprensa e na opinião pública, estava prestes a cair em prescrição.
O colegiado considerou que a desembargadora violou os deveres de integridade pessoal e profissional, dignidade, honra e decoro, previstos no Código de Ética da Magistratura, além do dever de cumprir e fazer cumprir com independência, serenidade e exatidão as disposição legais e atos de ofício e de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, como dispõe a Lei Orgânica da Magistratura.
Embora o colegiado tenha sido unânime ao considerar que houve irregularidade na conduta de Tânia Borges, a imposição da aposentadoria compulsória, pena máxima prevista para a magistratura, gerou debate entre os conselheiros.
A relatora do caso, Maria Tereza Uille Gomes, votou para derrubar parte das acusações e aplicar pena de censura por infração disciplinar. Ela foi acompanhada pelos colegas Henrique de Almeida Ávila, Emmanoel Pereira, Candice Jobim e Flávia Pessoa.
Na outra ponta, o conselheiro Luís Fernando Keppen abriu divergência, liderando a corrente vencedora. Ele foi acompanhado por Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Ivana Farina, Marcos Vinicius Rodrigues e André Godinho.
"Evidentemente que é uma situação dramática. Nós não estamos aqui julgando as circunstâncias. No depoimento, ela justifica uma série de situações, relata uma série de problemas em relação a esse filho. Mas não há como nós nos afastamentos de que a desembargadora deixou de observar as cautelas mínimas necessárias e confundiu por completo as esferas pública e privada", votou Keppen.
Infrações
O caso aconteceu em 2017. A desembargadora foi acusada de usar o cargo para exercer influência pela soltura do filho, Breno Fernando Solon Borges, em diferentes frentes - desde a audiência de custódia até a transferência do presídio de Três Lagoas, em Cuiabá, para uma clínica psiquiátrica.
Quando conseguiu autorização judicial para a transferência, sob argumento de que ele precisava de tratamento psicológico com urgência, ela foi até a penitenciária escoltada por policiais civis para tirar o filho da cadeia. Breno Fernando ainda foi levado por ela até a casa da família, onde passou horas antes de ser internado.
"Não concebo como um desembargador minimamente prudente possa utilizar carro oficial para buscar seu filho, preso em flagrante por crimes considerados graves, em uma situação realmente dramática para qualquer pai ou mãe. A condição de genitora e curadora não autorizam utilizar bens públicos com finalidades privadas, em especial visando o transporte de um preso. A magistrada confundiu as dimensões profissional e pessoal", considerou o conselheiro Luís Fernando Keppen.
Em depoimento, o diretor da unidade prisional contou que se sentiu 'pressionado' pela magistrada, lembrou o conselheiro no julgamento. Em mensagens trocadas com o juiz do caso, na tentativa de confirmar a ordem de transferência, ele afirmou que 'ela veio inclusive com policiais já ameaçando prisão por desobediência' antes mesmo do recebimento do mandado judicial e do cumprimento dos trâmites seguidos habitualmente pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário para as solturas.
"O procedimento adotado para a liberação extrapolou as regras convencionais, já que o filho foi liberado exclusivamente com a cópia da decisão liminar fornecida pelo advogado e logicamente em decorrência de pressão que a presença da desembargadora acompanhada de escolta policial gerou no diretor da unidade policial", disse. "De forma completamente extravagante e ao arrepio da lei é que Breno foi liberado da custódia estatal foi liberado da custódia estatal sem qualquer acompanhamento de policiais ou servidores da unidade prisional", acrescentou Keppen.
COM A PALAVRA, A DEFESA
No curso do processo, a desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges sustentou que apenas esteve no presídio para fazer cumprir a ordem judicial que determinava a transferência do filho uma vez que ela foi designada curadora no caso. Os advogados ainda argumentaram que o carro funcional e a escolta de policiais civis foram necessários para garantir a integridade física da magistrada, que havia sido corregedora na unidade prisional.
Após o julgamento desta terça, o advogado André Borges, que defende a magistrada, afirmou estar 'estarrecido'. "O processo julgado hoje é o mesmo em que Dra. Tânia havia sido absolvida pela Justiça Estadual. Certamente impugnaremos a decisão, porque ela não se sustenta. Nunca deixaremos de pleitear um julgamento justo e correto para essa magistrada, o que ainda não ocorreu", disse.
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