O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que fiscaliza e administra o Poder Judiciário, aprovou novas regras para o julgamento de processos na modalidade virtual. Segundo o texto, todas as categorias processuais poderão ser votadas no novo formato, o que provocou insatisfação de advogados. Além disso, se uma das partes pedir a transferência da votação ao plenário físico, a decisão caberá ao relator do processo.
O plenário virtual ganhou tração durante a pandemia da covid-19 e permite julgar ações em um ritmo sem precedentes. Isso porque os processos são analisados em uma plataforma online, sem necessidade de debate presencial ou por videoconferência. No Supremo Tribunal Federal (STF), o modelo ganhou adesão em 2020, impulsionado pelo ministro Dias Toffoli, que era presidente do tribunal.
O ato normativo aprovado pelo CNJ prevê que “todos os processos jurisdicionais e administrativos em trâmite em órgãos colegiados poderão, a critério do relator, ser submetidos a julgamento eletrônico”.
Esse é um ponto polêmico porque, desde que o plenário virtual começou a se popularizar entre os tribunais, advogados reclamam que a defesa fica limitada e que, em algumas modalidades de processos, como ações criminais, o prejuízo é maior.
Nos julgamentos virtuais, as sustentações orais são gravadas e enviadas em arquivo de vídeo, ou seja, os advogados não têm a chance de apresentar seus argumentos diante dos desembargadores ou ministros.
Os tribunais poderão, a seu critério, regulamentar o uso do plenário virtual e, se considerarem necessário, “excepcionar a admissibilidade de julgamento eletrônico para determinados recursos, incidentes ou classes processuais”, segundo prevê o texto.
O ato normativo foi elaborado em conjunto pelos ministros Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, e Mauro Campbell Marques, Corregedor Nacional de Justiça, e aprovado por unanimidade no conselho.
“A alternativa pelo julgamento em plataformas virtuais é solução inteligente e inescapável para a redução do acervo processual e para a melhora na eficiência da prestação jurisdicional”, justificou Barroso.
Segundo o ministro, não há diferença hierárquica entre o plenário presencial e o virtual, “sendo assim, todos os processos podem, a princípio e a critério do relator do caso, ser julgados no ambiente virtual”.
As regras sistematizadas pelo CNJ valem para todos os juízes e tribunais do País, exceto o STF, que não está sujeito ao controle administrativo do Conselho Nacional de Justiça.
O debate sobre o alcance do plenário virtual ganhou fôlego durante o julgamento das ações penais dos atos golpistas do 8 de Janeiro. Uma comissão da OAB elaborou um projeto de lei para proibir a análise de ações criminais no plenário virtual do STF.
Outro ponto preocupa os advogados: os pedidos de destaque. Essa é uma prerrogativa que permite a transferência de um processo do plenário virtual para o físico. Os magistrados podem solicitar a mudança do ambiente de votação, sem restrições. No caso dos advogados, é diferente. Eles também podem apresentar o requerimento, mas o pedido depende do aval do relator do processo, ou seja, não há garantias de que será atendido.
O texto aprovado pelo CNJ define ainda que os julgamentos devem ser públicos e disponíveis para acesso em tempo real. A duração padrão será de seis dias úteis, como já vem ocorrendo, mas em casos urgentes o relator pode pedir sessões extraordinárias.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) prepara um ofício que deve ser enviado ao Conselho Nacional de Justiça nos próximos dias para tentar suspender os efeitos do ato normativo. O texto foi votado em um momento desfavorável para a advocacia porque as duas cadeiras reservadas à OAB no CNJ estão vagas, Os candidatos indicados pela entidade para compor o colegiado aguardam deliberação do Senado para tomar posse.
A OAB já havia pedido a Barroso, na semana passada, que não pautasse processos de interesse da advocacia até que seus representantes tomassem posse. A entidade afirma que foi pega de “surpresa”. O objetivo agora é tentar reabrir a discussão depois que o CNJ estiverem com a composição completa.
“O Conselho Federal da OAB apresentará ao CNJ pedido de suspensão dos efeitos dos dois atos normativos, votados sem a composição plena do colegiado. Na nova solicitação, a OAB pedirá que as matérias sejam novamente discutidas e deliberadas, com a participação dos representantes da entidade no plenário”, informou a Ordem dos Advogados.
Para o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, que já escreveu um artigo sobre o tema, as mudanças são um “desastre”. “Aos poucos o papel do advogado vai desaparecendo”, afirma.
Ele defende que o argumento da eficiência e do volume dos processos não pode ser usado para justificar o que vê como a supressão das prerrogativas dos advogados e do direito de defesa.
“Quando o volume é enfocado, a gente está na verdade resolvendo o tema pela supressão das prerrogativas e dos direitos daqueles que estão sendo julgados em razão da incapacidade de estabelecer outros filtros para diminuir a judicialização. Quem tem o seu processo julgado no plenário virtual não pode ter menos direito de convencer os juízes por causa do volume de processos”, critica.
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Litigância abusiva
O Conselho Nacional de Justiça também aprovou uma proposta de recomendação para facilitar a identificação e a prevenção da litigância abusiva. Esse é um tema que está na agenda de prioridades de Barroso.
O texto define um rol de condutas que podem ser caracterizadas como litigância abusiva. São elas: “demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos”.
O CNJ também confere aos magistrados poderes para exigir documentos complementares para o recebimento de ações, o que é questionado por advogados. Segundo a OAB, o texto pode ter o efeito de inibir o acesso à Justiça.
“O texto acarreta comprometimento do direito constitucional de acesso à Justiça, já que consta no elenco de situações citadas um tratamento generalizado, que coloca os jurisdicionados na condição de suspeitos de promoverem demandas abusivas, especialmente em questões relativas a relações de consumo e Direito Previdenciário - matérias que comumente afetam a população vulnerável”, diz a OAB.
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