A obrigatoriedade de que presos passem por um exame criminológico para progredirem de pena pode gerar um custo adicional de R$ 6 bilhões, por ano, aos cofres públicos. O alerta é do Conselho Nacional de Justiça, que estudou o impacto da lei que deu fim às ‘saidinhas’. Editada pelo Congresso Nacional em maio, a norma também estabeleceu que os presos passem por um exame específico para que passem de um regime de pena mais gravoso, como o fechado, para um mais leve.
A estimativa do CNJ sobre o impacto de R$ 6 bilhões é relativo ao custo de manutenção das prisões, levando em consideração um cenário em que as equipes já existentes nos presídios sejam responsáveis pela realização dos exames. O órgão alerta para um efeito ‘bola de neve’, com a possibilidade de os exames pendentes irem se acumulando. Isso levaria a 283 mil presos deixarem de progredir de regime regularmente em um ano. Em tal contexto, um detento ficaria 197 dias a mais na prisão.
Além do impacto financeiro direto da medida, o CNJ ainda projetou o aumento da população prisional nos próximos quatro anos considerando a “manutenção prolongada” das pessoas na prisões, aguardando a realização dos exames criminológicos.
Considerando que cerca de 44% das saídas do sistema prisional se dá em razão das progressões de penas, o estudo diz que vai faltar ainda mais vagas nos presídios. O CNJ antevê um crescimento de 176% no déficit de vagas entre 2023 e 2028.
Os detalhes constam de um estudo elaborado pelo Conselho a pedido do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. O vice-presidente da Corte é relator de ações que contestam a lei que acabou com as saidinhas. A Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Nacional de Defensores Públicos questionam as mudanças aprovadas pelo Congresso.
De acordo com o estudo do CNJ, para dar conta da nova demanda criada pelos parlamentares, seria necessário um custo anual de até R$ 170 milhões, apenas para a composição das equipes técnicas aptas à realização dos exames - grupos multidisciplinares, de três profissionais.
A conclusão do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário sobre o tema é a de que a exigência do exame criminológico vai impactar “de forma exponencial e proporcionará ainda mais gravames ao sistema prisional brasileiro “. O órgão avalia que a medida gera um “ônus exorbitante” aos cofres públicos para um atendimento que não vai melhorar as condições dos presos.
Para o CNJ, o procedimento vai na “exata contramão” da decisão do Supremo que reconheceu, em 2023, a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro. Na avaliação do Conselho, a lei acaba por agravar “exponencialmente” o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro.
‘Saidinhas’ não têm “qualquer consequência negativa” na segurança pública, diz CNJ
O estudo do órgão responsável por fiscalizar o sistema de Justiça também se debruçou sobre as saidinhas, que foram derrubadas pelo Congresso Nacional. O presidente Lula chegou a vetar o trecho principal da lei, mas os parlamentares reverteram a decisão do chefe do Executivo.
A avaliação do CNJ é a de que o principal argumento usado por parlamentares para dar fim às saidinhas, de que “grandes contingentes” de presos não retornam aos presídios e cometem novos crimes, " não encontra amparo em evidências”. Segundo o órgão, apenas 4% dos presos que gozam das saidinhas não retornam às unidades prisionais.
O Conselho frisou ainda que as saídas temporárias “não trazem qualquer consequência negativa à segurança pública”. O estudo analisou boletins de ocorrência do Estado de São Paulo e diz não ter encontrado “relação estatisticamente significativa entre as saídas temporárias e o total de flagrantes registrados nas delegacias de polícia durante o período”.
O CNJ entende que a medida reduz oportunidades de reconstrução de relações, por parte dos presos, o que vai de encontro ao previsto da Lei de Execução Penal, que fala sobre a necessidade de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado”
Além disso, o órgão ressalta que o fim das saidinhas acaba por “fazer aumentar a pressão dentro dos estabelecimentos prisionais, incrementando a deterioração de um sistema que opera em modo de violação estrutural de direitos fundamentais”.
Lula e Congresso terão de se manifestar sobre os achados do CNJ
Os dados aportaram no gabinete de Fachin nesta terça-feira, 2. Eles foram enviados ao ministro pelo conselheiro José Edivaldo Rocha Rotondano, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça.
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Com o recebimento das informações, o STF intimou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso Nacional a se manifestarem sobre o caso. Em seguida, devem se pronunciar a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República.
A movimentação, no entanto, ocorre em meio ao recesso judiciário, momento em que os prazos dos processos estão suspensos. Apesar disso, há a possibilidade de as instituições se manifestarem.
A decisão sobre as saidinhas, no entanto, só deve sair no segundo semestre. O ministro Edson Fachin, relator do caso, mandou o processo para julgamento direto no plenário. O vice-presidente do STF levou em consideração a “evidente relevância” do tema.
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