Não existem coincidências. Aquilo que chamamos “coincidência”, não é senão a lógica de Deus. É o que dizia George Bernanos. Mas há coisas estranhas que não podem ser atribuídas aos desígnios divinos. Por exemplo: nomes que parecem atrair desgraças.
O nome Cleópatra. A Cleópatra mulher de Felipe II da Macedônia, foi morta por sua rival Olimpia em 336 a.C. Outra Cleópatra, filha de Felipe II, primeira mulher de Alejandro de Epiro e depois de Perdica, foi morta por Antígono em 306 a.C.
Uma Cleópatra filha de Ptolomeu VI foi envenenada por seu filho Antíoco VIII, entre 121 ou 120 antes de Cristo. Cleópatra rainha, viúva de Ptolomeu IX, também foi assassinada por seu filho Ptolomeu XI, noventa anos antes de Cristo nascer. A Cleópatra (Selene), filha de Ptolomeu VII foi assediada em Tolemaidos por Tigrán, rei da Armênia, feita prisioneira e finalmente morta, em 69 a.C. Finalmente, a mais famosa das Cleópatras, a filha de Ptolomeu XIII, a amada de Pompeu, de César e de Antonio, terminou suicidando-se da maneira que todos sabem: fez-se picar por uma víbora. Pode-se dizer que tudo isso é casualidade?
Um outro nome de certa maneira mais moderno, embora não muito difundido, é Scotto. O célebre filósofo Scto Eriugena foi, segundo a lenda, enterrado vivo. Outro filósofo famoso, Duns Scotto, foi assassinado a facadas, por seus próprios alunos. O famoso mago Miguel Scotto, lembrado inclusive por Dante, no “Inferno”, XX, 115-117, morreu, segundo a tradição, ou por uma pedra que caiu sobre sua cabeça, ou envenenado por uma mulher. É o que consta do interessante livro “Mitos, lendas e superstições da Idade Média”, publicado em Turim em 1925 e raramente hoje encontrado.
O conde Teodoro Scotto, de Piacenza, porque tomou parte de uma conspiração, foi encarcerado e morreu após dolorosos flagelos em 1612. Dom Marcello Scotto, de Nápoles, literato e patriota, morreu em 1800, num patíbulo. Sem falar que Sir Walter Scott, (1771-1832), o importante escritor escocês de romances e poesias, que viveu entre final do século XVIII e primeira metade do século XIX, é considerado o pai do romance histórico. Suas obras percorreram o mundo e fazem sucesso até hoje. Talvez a mais conhecida delas seja “Ivanhoé”, que rendeu filmes, seriados e peças teatrais. Pois esse Scott foi obrigado a trabalhar muitos anos de sua vida para pagar grandes dívidas não contraídas por ele.
Tudo isso pode parecer superstição. Mas ainda há muita gente que, em 2024, alimenta superstições. Invoca-se até uma pseudociência, para livremente exercitar seus rituais de liberação dos efeitos dos azares.
Uma aura dessa “cultura” impregna a questão dos nomes a serem atribuídos às novas gerações. Na busca de evitar a homonímia, a individualização bem original do filho, procura-se um designativo que não encontre par. Só que nem sempre se sabe a origem etimológica do apelido que rotulará, quase sempre por toda a vida, aquele ser que acabou de nascer.
Nomes que deveriam ser evitados, para não recordar coisas sombrias, são, por exemplo, Abaddon, que significa “profundezas do inferno”. Adramelech é o nome de um deus semítico incorporado à cultura judaico-cristã como demônio. Akantha quer dizer espinho. Enquanto há muitas Rosas, ninguém gostaria de ser chamado de espinho. Akeldama é o lugar da morte de Judas e Asmodeus é o demônio, cuja função é exercer liderança nos quintos dos infernos.
Baal é outro deus fenício que, na cultura judaico-cristã, também lembra o diabo e Batibat é o demônio das Filipinas que provoca morte durante o sono. Belial é outro demônio muito citado na Bíblia e Belphegor é um dos príncipes do inferno.
Blair – lembram-se do político desse nome? – relaciona-se à Bruxa de Blair, que habita os bosques de Maryland, nos Estados Unidos. Caim, filho de Adão e Eva, matou o irmão Abel. Seria raro alguém pretender que seu rebento levasse o nome do primeiro fratricida na tradição cristã.
Cérbero, cão de três cabeças que, na mitologia grega, protege a entrada do Hades, o inferno. Circe é uma feiticeira na mitologia grega. Draco é a palavra latina para serpente e daí vêm as leis “draconianas”, perversas e cruéis. Draven é satã, na fé islâmica e Furfur é um demônio conhecido por suas habilidades com a mentira.
Griselda, nome mais comum do que possa parecer, significa “batalha escura”. Hadria é o nome latino para “escuridão”, Isolda, de origem galesa, pode-se traduzir como “rainha do gelo”. Jezebel é sinônimo de mulher pecaminosa e Karayan, de origem armênia, pode-se traduzir como “escuro”. Lúcifer, etimologicamente, é “aquele que traz a luz”. Mas tornou-se demônio, quando quis igualar-se ao Criador.
Na verdade, o prenome, que antecede o patronímico familiar, já foi imutável no Brasil, diante de má tradução da lei francesa. Hoje, quem não estiver satisfeito com seu nome pode mudá-lo, comparecendo a uma unidade do Registro Civil das Pessoas Naturais, uma das delegações estatais extrajudiciais, que prestam relevante serviço à população brasileira.
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