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Opinião | Coisas do Barão

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convidado
Por José Renato Nalini

O Barão do Rio Branco era figura singular. Dava conta de suas incumbências, todas seríssimas. Mas não era um trabalhador metódico. Fazia tudo e fazia bem, mas o fazia na última hora, sob intensa pressão da nítida consciência de suas responsabilidades.

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Por ocasião da Terceira Conferência Pan Americana, realizada no Rio em 1906, a que compareceu Elihu Root, Secretário de Estado dos Estados Unidos, Joaquim Nabuco era o Presidente do encontro. Este se realizaria no Palácio Monroe e Rio Branco deveria proferir, na noite de instalação dos trabalhos, um discurso que, por força das circunstâncias, seria peça de importância transcendental.

Isso porque, desde o início de sua gestão no Ministério das Relações Exteriores, Rio Branco dera grande ênfase às tradicionais relações com os Estados Unidos. Por sua iniciativa, Joaquim Nabuco fora nomeado Embaixador em Washington e, como era o brasileiro mais ilustre à época, isso bastava para mostrar o quão relevantes eram os laços que uniam Estados Unidos e Brasil.

Havia uma política de aproximação com a grande democracia do norte e, para isso, Rio Branco fez o Presidente Rodrigues Alves asseverar, na mensagem inaugural de 1908: “Contribuindo para estreitar cada vez mais as relações de cordial amizade entre o Brasil e os Estados Unidos da América, não tenho feito ais que seguir a política traçada desde 1822 pelos fundadores de nossa independência e invariavelmente observada por todos aqueles que têm governado o Brasil”.

Era enorme a expectativa em relação ao discurso de Rio Branco, diante do Secretário de Estado Elihu Root, de todo o corpo diplomático e das maiores autoridades brasileiras.

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Nessa manhã, Rio Branco desligou-se de todas as atribuições rotineiras e se trancou em seu escritório, para redigir o discurso. Havia um maço de folhas brancas, nas quais escreveria com pena a mergulhar no tinteiro. Depois do almoço, seu auxiliar foi verificar se ele precisava de alguma coisa e notou que, durante aquelas longas horas, ele não escrevera mais do que meia página.

Irritou-se com a intromissão do subalterno. “Você vê? Não tenho o discurso adiantado, não me deixaram em paz, eu é que tenho que me lembrar de tudo, de providenciar sobre tudo”...

Deixaram-no a sós novamente. No final da tarde, ao retornar o assistente ao gabinete, poucas linhas haviam sido acrescentadas ao texto inicial. Com enorme apreensão, os mais próximos foram buscá-lo para a sessão que teria início às nove da noite. Rio Branco ainda estava escrevendo. Poucos minutos depois, levantou-se. Vendo o estado de ânimo do auxiliar, preocupado com o ritmo da elaboração do pronunciamento, procurou tranquilizá-lo: “Não se aflija! Tudo está em ordem. Tudo vai sair bem!”.

Pediu a casaca ao seu mordomo. Acertou o laço da gravata branca. Colocou a cartola. E, como era seu costume, bateu com a mão no bolso e exclamou: - “Tenho o lenço; tenho a carteira; tenho os cigarros; tenho o relógio...Bem, podemos ir!”.

Apanhou da escrivaninha as folhas de almaço e as entregou ao servidor que o acompanhava. Este, aflito, viu que as últimas páginas estavam todas borradas. O Barão escrevia carregando muito na pena e pondo muita tinta no papel. A última folha não estava suficientemente seca. Foi um desastre. Havia parágrafos ininteligíveis.

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Nada disse ao Barão, para não importuná-lo. Acompanhou o desenvolvimento da sessão. Aguardava, com ansiedade, chegasse Rio Branco à última página. Sem mostrar sobressalto, nenhuma surpresa, chegou à parte comprometida. Terminou de improviso as frases finais. Era uma obra-prima de bom senso político, de orientação internacional e de estilo oratório.

Era assim o Barão do Rio Branco, ícone das Relações Internacionais do Brasil. São vários os episódios que descrevem os apuros dos que o atendiam, pois momentos antes de redigir uma nota, de pronunciar um discurso, nada ainda fora preparado. Todos sabiam que Rio Branco deixava tudo para a última hora, mesmo as coisas mais sérias. Confiava no seu talento. Sabia que a entrega seria feita a tempo e a hora. Não era preguiçoso. Sua laboriosidade está expressa nas anotações à grande História da Guerra da Tríplice Aliança, de Shneider e na obra formidável de suas “Efemérides Brasileiras”. São quatro imensos volumes o manuscrito desse trabalho monumental. Sorte do Brasil.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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