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Com anulações e arquivamentos, cartel dos trens segue sina da Lava Jato

Após 10 anos, processos criminais prescreveram ou não avançaram; servidores públicos e executivos de empresas foram absolvidos

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Foto do author Rayssa Motta

Dez anos após a primeira denúncia do cartel dos trens, processos criminais e de improbidade não avançaram. Executivos do setor metroviário e servidores públicos têm sido absolvidos ou contemplados pela prescrição.

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O promotor de Justiça Marcelo Batlouni Mendroni, do Grupo Especial de Repressão aos Delitos Econômicos, braço do Ministério Público de São Paulo que investiga crimes de cartel e lavagem de dinheiro, foi o responsável pelas denúncias na esfera penal. O escândalo foi revelado pelo Estadão. Ele reconhece que o trabalho de uma década não deu os frutos esperados e traça um paralelo com a Operação Lava Jato: “Não só temo, como já estou constatando que toda ou quase toda a investigação, apesar dos detalhes das evidências e das provas contundentes apresentadas, amargará um mesmo fim da Lava Jato.”

Para o promotor, o Brasil ainda tem dificuldade de punir adequadamente os crimes de colarinho-branco. “A justiça brasileira, por razões que desconheço, é demasiadamente tolerante e benevolente com os ‘criminosos da elite’ ou criminosos ‘poderosos’, como nos casos que envolvem crimes de colarinho branco, principalmente cartéis, fraudes em licitações, corrupção e lavagem de dinheiro, infelizmente.”

O Estadão consultou 15 processos do cartel dos trens. Eles estão em diferentes estágios de tramitação. Até o momento, apenas quatro resultaram em condenações, que vêm sendo revertidas a partir de recursos dos réus. Hoje, só uma condenação está vigente, mas com perspectiva de ser revista. As sentenças envolveram multa, prestação de serviços comunitários e, em um caso, detenção no regime semiaberto. Ninguém foi preso para cumprir pena.

Para os advogados Guilherme San Juan e Cláudia Vara, envolvidos há anos no caso, empresas e seus executivos foram “perseguidos” por “contratos legítimos e serviços comprovadamente prestados”. Eles criticam, por exemplo, o desmembramento de processos e denúncias em série “desprovidas de respaldo jurídico”.

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“O Poder Judiciário passou anos debruçado sobre os casos e o resultado foi aquele que desde o início os fatos, por si só, já alertavam: por inúmeras decisões da justiça, restou comprovado que essas pessoas eram inocentes, como alegavam desde o princípio. A pergunta que fica, mais uma vez, é a quem devem ser atribuídos todos os prejuízos reputacionais e pessoais suportados por essas pessoas.”

Primeira denúncia do Cartel dos Trens foi apresentada à Justiça em 2014. Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

A maior parte dos réus foi beneficiada pelo ritmo da Justiça. A primeira ação penal derivada da investigação foi proposta pelo Ministério Público de São Paulo em 2014. Desde então, pelo menos sete processos prescreveram. Em alguns deles, o prazo foi contado pela metade, porque os réus completaram 70 anos. Foi o caso, por exemplo, de César Ponce de Leon, ex-diretor da multinacional francesa Alstom.

A prescrição é uma das hipóteses previstas no Código Penal para limitar temporalmente o poder de punição do Estado, o que na prática impede que a pena seja efetivamente aplicada.

Em outros processos, os réus foram absolvidos por falta de provas. Quatro denúncias nem chegaram a ser aceitas pela Justiça.

O cartel de trens operou em São Paulo entre 1998 e 2008, durante os governos Mário Covas, Geraldo Alckmin, Cláudio Lembo e José Serra. Nenhum governador foi acusado de ligação com o esquema.

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A investigação ganhou tração a partir do acordo de leniência fechado em 2013 pela empresa alemã Siemens com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável por investigar e punir infrações contra a livre concorrência.

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Empresas do setor metroviário foram acusadas de se unir em um grande conluio para combinar preços e dividir contratos públicos. As investigações apontaram que essas companhias definiam de antemão quem participaria e quem ganharia cada licitação, os valores das propostas e as subcontratações.

O Ministério Público apontou irregularidades na concorrência das obras das linhas 1, 2, 3 e 5 do Metrô de São Paulo. As denúncias ainda envolveram licitações para a manutenção de trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a compra de carros pela companhia. Os contratos do programa Boa Viagem, iniciativa para expandir a malha de trens e revitalizar as vias, também foram questionados.

A decisão mais recente do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a sentença de cinco empresas e três ex-executivos da CPTM que, juntos, haviam sido condenados a devolver R$ 53 milhões aos cofres públicos. O processo mira a compra de trens, sem licitação, por mais de R$ 223 milhões em 2005.

Os desembargadores da 10.ª Câmara de Direito Público usaram a reforma na Lei de Improbidade Administrativa para justificar a derrubada da sentença de primeiro grau. Eles decidiram que condenações que ainda não transitaram em julgado (quando há possibilidade de recurso) devem ser reavaliadas a partir da nova lei – mais benéfica aos agentes públicos e empresários suspeitos de improbidade. Ao analisar novamente o processo, concluíram que uma das exigências criadas pela reforma não foi cumprida: a necessidade de comprovação de que o ato de improbidade gerou prejuízo aos cofres públicos.

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A decisão beneficiou Mário Manuel Seabra Rodrigues Bandeira, ex-diretor presidente da CPTM, Antonio Kanji Hoshikawa, ex-diretor administrativo e financeiro, e José Luiz Lavorente, ex-diretor de operação e manutenção, além das empresas Alstom Transporte, Bombardier Transportation Brasil, Bombardier Transportation (Espanã) S.A., CAF Brasil Indústria e Comércio S.A., e CAF Construciones y Auxiliares de Ferrocarriles S.A.

Uma semana antes, o juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, já havia arquivado uma ação penal do cartel dos trens com a justificativa de que as acusações não ficaram provadas. O processo envolve suspeitas de irregularidades na divisão de contratos e de superfaturamento dos aditivos fechados com a CPTM.

O juiz argumentou que a participação dos executivos em funções de direção e gerenciamento das empresas não é suficiente para comprovar que eles se uniram para fraudar licitações e combinar preços. A sentença concluiu que os editais dependiam de “conhecimento técnico específico, cuja expertise é dominada por poucas empresas no mercado”, e que a formação de consórcios, assim como as subcontratações, não são, por si só, uma prática irregular.

A decisão beneficiou quatro executivos - Paulo José de Carvalho Borges Jr., ex-diretor da divisão de transportes da Alstom, Serge Van Temsche, ex-presidente da Bombardier, Manuel do Rio Filho, ex-funcionário da Bombardier, e Ricardo Lopes, ex-gerente comercial da Tejofran.

Executivos e diretores da CPTM foram denunciados por suposto conluio em licitações. Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Em dezembro de 2022, os executivos Wilson Daré e Maurício Memória, da Temoinsa, foram condenados por supostamente tentarem fraudar licitações para reforma da Linha 1 - Azul e da Linha 3 - Vermelha do Metrô, abertas entre 2008 e 2009, durante a gestão José Serra (PSDB) no governo de São Paulo. As penas de um ano e oito meses de detenção foram substituídas por prestação de serviços comunitários e multa. No entanto, em março de 2023, antes de cumprirem a pena, a Justiça de São Paulo reconheceu que o caso estava prescrito.

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Executivos da CAF e da Alstom também conseguiram reverter suas penas. Agenor Marinho Contente e Guzmán Martin Diaz, da empresa espanhola CAF, e Isidro Ramon Fondevila Quinonero, Luiz Fernando Ferrari e Wagner Tadeu Ribeiro, da Alstom, foram absolvidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio. O ministro Ribeiro Dantas não viu provas de conluio: “A denúncia não descreve nenhuma espécie de ajuste entre eles e os agentes públicos.”

O Estadão localizou apenas uma condenação vigente no cartel dos trens. Antônio Oporto del Olmo, ex-presidente da Alstom, foi sentenciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em agosto de 2023, a três anos de reclusão, em regime aberto, convertidos em serviços comunitários. O processo foi desmembrado porque o executivo vive fora do Brasil. O recurso da defesa foi admitido nesta semana pelo STJ. Os advogados têm como certa a absolvição, assim como ocorreu na ação principal.

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