Antes da máquina fotográfica, os nobres só conheciam as feições de suas pretendentes mediante miniaturas pintadas por retratistas. Estes eram generosos, pois pagos para reproduzir, com fidelidade, a fisionomia dos retratados.
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Todos sabem que o Imperador Pedro II se decepcionou ao ver pela primeira vez a Imperatriz Tereza Cristina. Ela era baixa, feia e mancava. Ele teria dito à sua ama: “Enganaram-me!”.
Já seu pai, além de receber belíssima efígie da arquiduquesa austríaca Leopoldina, ofereceu a ela, por um embaixador, belíssimo e rico retrato, em moldura de pedras preciosas que impressionou a Corte do Imperador Francisco I.
Mas como era a futura primeira Imperatriz do Brasil, D. Leopoldina?
Carl Schlichthorst, o tenente dos granadeiros alemães, assim a descreveu: “A imperatriz é baixa e gorda, com traços genuinamente alemães. Parece-se, à primeira vista, com a ex-imperatriz Maria Luísa, porém sem aquelas feições delicadas e graciosas, que tornaram tão encantadora a esposa de Napoleão. O sol dos trópicos e o modo de vida a que se adotou no hemisfério meridional emprestaram-lhe às faces alto grau de vermelhidão e lhe deram corpulência que se manifesta em quase todas as mulheres brasileiras, passada a primeira mocidade. Além disso, a roupa com que se apresentava absolutamente não podia agradar a um olhar europeu. Altas e duras botas de Dragão (soldado) com pesadas esporas de prata, largas calças brancas e por cima curta túnica de seda, um fato de montar aberto, de pano cinzento, um lenço branco atado ao pescoço, à moda masculina, por cima da gola da camisa, e um chapéu branco, enfeitado de azul claro. Essa bizarra combinação de trajes tão diversos não poderia produzir um conjunto agradável. A imperatriz fala o alemão à maneira de Viena, servindo frequentemente de intérprete ao marido”.
Sabia-se que Leopoldina era praticamente o oposto de sua irmã Maria Luísa, que foi entregue pelo pai em casamento a Napoleão. Esta era linda e graciosa. Leopoldina nem tanto.
Ainda assim, outro militar alemão, Carl Seidler, enxergava nela atributos que seu conterrâneo não encontrou. Compareceu a um beija-mão e assim contou o seu encontro com o casal imperial: “Surgiu d. Pedro a conduzir pela mão com galanteria de cavalheiro sua alta esposa. Nunca eu havia visto a imperatriz, mulher divina que todo o Brasil endeusava e que tantas vezes entrara como mediador entre o povo e o imperador. Não se podai desconhecer que era da Casa de Habsburgo. O cabelo louro, ondeado, o olho azul, cismador, a testa alta, sonhadora, o nariz orgulhoso, brandamente curvo, a tez ofuscante de brancura, à qual o clima da terra mal comunicara leve sombra que ainda a embelezava, o rubor suave, mas ético, pousado em suas faces, a encantadora simpatia que falava em todos os seus gestos e palavras, a grande bondade, que, de par com a brandura e a majestade, transluzia de cada um de seus movimentos e que envolvia como uma auréola de glória a sua peregrinação terrena – tudo realçava aquela figura encantadora, era o orgulho e o prazer de um grande império. Jamais mulher exerceu uma impressão sobre mim como esta nesta hora; mal me atrevia a erguer os olhos para ela e, quando se voltou para mim e nossos olhares se encontraram, envergonhei-me como se tivesse cometido algum mal, ou como Adão que estivesse nu no paraíso. Neste momento eu teria dado tudo por uma coroa régia. “Meu marido manda perguntar-lhe se o senhor quer mais alguma coisa dele”, falou-me sorridente, em dialeto austríaco. E que palavras! Que som de voz e os ademanes de que foram acompanhadas. Esta é toda a riqueza que pude trazer do Brasil, o Eldorado de meus desejos. “Meu marido manda perguntar-lhe em que poderá ser-lhe útil”, repetiu ela timidamente.
Dois alemães, dois militares, dois perfis antagônicos. É uma demonstração bastante evidente de que o testemunho é falível. Para se aceitar um relato oral, é preciso lembrar que a memorização se vincula a uma série de fatores: a história pessoal do observador, sua experiência em reproduzir, oralmente, aquilo que apreendeu. A capacidade de reter na memória os traços, a possibilidade de se ater a insignificâncias, não à guarda de uma feição humana em sua mente. Compreende-se porque os vetustos processualistas chamavam o testemunho de “a prostituta das provas”.
Mas você, com qual das versões a respeito de D. Leopoldina vai ficar?
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