Os áudios do general de brigada Mário Fernandes apreendidos pela Polícia Federal na Operação Tempus Veritatis - investigação sobre tentativa de golpe de estado no governo Jair Bolsonaro - revelam o esforço que o ex-secretário-executivo da Presidência, preso na última terça, 19, empreendeu para concretizar a ruptura democrática. Os arquivos que subsidiaram a Operação Contragolpe - inquérito sobre o plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) - registram a indignação do general com o resultado das urnas e o tom que ele usava para tentar mobilizar colegas de farda em torno do golpe - com direito a palavrões e piadas.
A reportagem busca contato com a defesa de Fernandes. O espaço está aberto para manifestações. Quando foi intimado a depor na Tempus Veritatis, em fevereiro, o general escolheu ficar em silêncio até que tivesse conhecimento dos detalhes do inquérito. Nove meses depois, Fernandes foi preso na terça-feira, 19, na Operação Contragolpe.
Os áudios foram divulgados inicialmente pelo repórter Maurício Ferraz, do programa Fantástico, da Rede Globo. O Estadão também teve acesso aos arquivos. Eles mostram até como o general evocava o golpe de 1964 - o qual abriu a ditadura militar - durante as reflexões sobre como viabilizar o golpe com vistas a manter Bolsonaro no poder. A via, segundo o general, era o “clamor popular”, uma sugestão que acaba conectando o inquérito da Tempus Veritatis com os atos golpistas do 8 de Janeiro.
Leia também
Ouça a seguir algumas das principais falas de Mário Fernandes em sua tentativa para viabilizar o golpe de Estado investigado pela Polícia Federal. O militar é apontado como o autor do plano ‘Punhal Verde e Amarelo’, que previa envenenar Lula e eliminar Moraes com uma bomba. Também foi com ele que os investigadores encontraram a minuta de um gabinete de crise de militares que seria instalado após a ruptura democrática.
‘Eu considero que a estratégia do presidente foi a melhor; vejo que tem muita gente jogando a toalha, cara’
Mensagens enviadas ao capitão Cordeiro, ex-assessor de Bolsonaro, pelo general Mário Fernandes no dia 1 de novembro, na ressaca da derrota do ex-presidente nas urnas. “Ele não declarou abertamente e ele pode a qualquer momento impugnar essa porra e nos dar um pouco mais de tempo pra analisar tudo isso aí que vem sendo levantado e denunciado”, diz Fernandes.
‘Mandei mensagem pro comandante do exército. Cara, eu tô aloprando por aqui’
Mensagens encaminhadas por Mário Fernandes ao coronel Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, no início de novembro. O general chamava o aliado do ex-presidente de ‘Caveira’. Nos áudios, Fernandes diz que sugeriu a Bolsonaro mudar o ministro da Defesa e brada: “Qualquer solução, Caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais. Então, meu amigo, parti pra cima, apoio popular é o que não falta”
‘Acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada’
Áudio enviado por Mário Fernandes ao tenente-coronel Mauro Cid no dia 7 de dezembro, quando houve a reunião, com o ex-presidente e a cúpula das Forças Armadas, para a apresentação da minuta do golpe.
‘Acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada’
‘Acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada’
‘Ele (Bolsonaro) citou que o dia 12 não seria uma restrição, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo’
Conversa mantida entre Fernandes e Cid em 8 de dezembro. O general narra uma conversa com o então presidente sobre o suposto golpe e diz que “tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão em frente ao QG”
'Qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo'
'Qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo'
'a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente
'a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente
A resposta de Cid
A resposta de Cid
‘Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento’
Conversa entre Fernandes e Cid em 9 de dezembro na qual o general diz que “todo mundo está vibrando” com uma manifestação de Bolsonaro em frente ao Palácio do Alvorada.
‘Inflamar a massa, para que ela se mantenha nas ruas, talvez seja isso que o alto comando quer - clamor popular, como foi em 64′
No dia 4 de novembro, Fernandes tentou pressionar o general Luis Eduardo Ramos para que ele desse uma “forçada de barra com o alto comando”, para que o relatório do Ministério da Justiça sobre as eleições estivesse em linha com a live de um marqueteiro argentino (estrategista do presidente Javier Milei) contra as urnas eletrônicas”. Fernandes alega que “tá na cara que houve fraude” e defende que o material seja divulgado “para inflamar a massa”.
“Pra que ela se mantenha nas ruas, e aí sim, porra, talvez seja isso que o alto comando, que a defesa (o ministério da Defesa) quer. O clamor popular, como foi em 64. Porque como o senhor disse mesmo, porra, boa parte do alto comando, pelo menos do Exército, não tá muito disposto, né. Ou não vai partir pra intervenção, a não ser que, pô, o start seja feito pela sociedade, porra. Pô, general, reforça isso aí”.
Entre os dias 14 e 15 de novembro, Fernandes pediu a Ramos que “blindasse o presidente contra qualquer desestímulo, qualquer assessoramento diferente” vez que “fontes” haviam sinalizado que “o comandante da Força foi ao Alvorada para sinalizar ao presidente que ele podia dar ordem” - supostamente, de golpe.
General era ‘ponto focal’ do governo Bolsonaro com golpistas e acampados de quarteis
Como mostrou o Estadão, o general de brigada Mário Fernandes, ex-secretário-executivo do Palácio do Planalto, atuava como orientador do ‘pessoal do agro’, caminhoneiros e bolsonaristas alojados no acampamento montado em frente ao QG do Exército em Brasília após as eleições de 2022.
A Polícia Federal rastreou solicitações dos radicais ao general, entre eles Rodrigo Yassuo Faria Ikezili, marido de Klio Damião Hirano, apontada como uma manifestante radical presa na Operação Nero por participação nos atos de 12 de dezembro. Ouça a seguir os áudios que ele enviou a Fernandes (um deles enviado em meio ao imbróglio da tentativa de invasão ao prédio da PF em Brasília).
Também foi encontrada uma conversa entre Fernandes e Hélio Coelho - cujo contato estava salvo no celular do general como ‘Hélio comunidade evangélica’. Hélio diz que não consegue vislumbrar sua família e amigos “ficando sob o julgo desse vagabundo”. “Não consigo imaginar. Eu prefiro ir pra guerra. Eu prefiro ir pro campo de batalha, entendeu? Viver a pátria livre ou morrer pelo Brasil, entendeu? Aprendi isso na caserna. Honrar a minha bandeira. Honrar o meu presidente”, diz.
Fernandes responde comentário sobre a live de um estrategista do presidente argentino Javier Milei contra as urnas eletrônicas: “Prossigamos essa batalha pelo Brasil acima de tudo. Força!”
Em outro áudio enviado a Fernandes, um caminhoneiro se diz frustrado com a “demora para a consumação do Golpe de Estado” - “Xandão tá cagando e andando, velho”, diz.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.