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Opinião|Como medir o imensurável? Desafios e riscos na busca pelo Graal dos índices de medição da corrupção

A obtenção de dados sobre a corrupção é tarefa que pode ser árdua para acadêmicos ou até mesmo para governos. Aliada à sua natureza clandestina, em alguns países, especialmente aqueles com altos níveis de corrupção, a obtenção de dados públicos confiáveis é um enorme desafio, seja pela falta de transparência, seja pela manipulação de informações

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convidado
Por Daniel Aguiar Espínola

Certamente será um forte candidato a ganhar um prêmio Nobel quem conseguir estabelecer métricas confiáveis para se mensurar o nível de corrupção em determinado país, setor econômico ou organização. A corrupção é, por natureza, um ato que ocorre de forma velada, propositadamente o mais longe possível dos olhares públicos, e envolve transações que frequentemente não passam por sistemas bancários ou outros registros formais. Mesmo com o desafio, diversos governos, ONGs e pesquisadores têm buscado alcançar este “Graal”, construindo e aprimorando índices que, de distintas maneiras, tentam “medir” a corrupção.

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O primeiro obstáculo se encontra logo no início da jornada e envolve as muitas definições do termo “corrupção”. Como um fenômeno complexo, ela pode se manifestar de várias formas, entre inúmeros atores, com distintas particularidades para identificação e levantamento de dados. Por exemplo, seria considerada a corrupção somente entre relações público-privadas ou também entre particulares? Envolveria além de pequenos subornos, também a corrupção política sistêmica e os grandes escândalos financeiros internacionais? Uma troca de favores como o nepotismo cruzado e conflitos de interesses poderiam se enquadrar? Além das definições legais, que também podem ter nuances a depender de cada país, zonas cinzentas tornam difícil o estabelecimento de uma fronteira que consiga capturar todas essas variações para a construção de índices que se proponham a abarcar uma maior amplitude social e geográfica.

Somado a uma definição multifacetada, a obtenção de dados sobre a corrupção é tarefa que pode ser árdua para acadêmicos ou até mesmo para governos. Aliada à sua natureza clandestina, em alguns países, especialmente aqueles com altos níveis de corrupção, a obtenção de dados públicos confiáveis é um enorme desafio, seja pela falta de transparência, seja pela manipulação de informações. Até mesmo quando esses dados são divulgados, o acesso pode ser dificultado, e o formato pode ser inadequado para serem compartilhados ou lidos por máquinas. Buscando facilitar o uso desses dados, hoje temos um movimento mundial na promoção de dados abertos pelos governos.

Outra dificuldade na rota é uma mudança cada vez mais constante de cenários políticos, econômicos, sociais e ambientais. A corrupção caminha junto a essas transformações e pode rapidamente adquirir novas formas com a aprovação de leis, eleição de governos e até com a ocorrência de desastres climáticos. Índices elaborados sem a preocupação de atualizações constantes, e mesmo aqueles com uma periodicidade anual, podem não refletir mudanças ou eventos recentes significativos, tornando-os rapidamente obsoletos.

Enfrentando todas as adversidades, algumas iniciativas se propuseram à tarefa de elaborar e divulgar índices relacionados à corrupção - cada um oferecendo uma perspectiva, mas também apresentando problemas significativos na sua elaboração e aplicação.

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Talvez um dos mais conhecidos seja o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), apurado pela Transparência Internacional desde 1995, baseado na percepção de diversos atores e setores econômicos de determinados países em relação à corrupção, buscando de algum modo superar a ocultação inerente do fenômeno. O índice é baseado em pesquisas e avaliações de especialistas, abrangendo temas como suborno, desvio de recursos públicos e uso de cargos públicos para ganho privado. Apesar do esforço de buscar a confiabilidade social nas instituições e nas medidas anticorrupção adotadas pelos países, vieses pessoais e variações culturais podem distorcer os resultados apurados, o que tem gerado uma série de críticas à metodologia adotada.

Diferentemente do IPC, que se baseia em percepções, outras propostas se voltam à construção de índices que buscam quantificar as capacidades de controle e de prevenção da corrupção, assim como iniciativas de accountability e controle social. Para tanto, se utilizam de dados concretos sobre a existência e a eficácia de leis, instituições e práticas anticorrupção, tais como o Corruption Risk Forecast e os indicadores de governança do Banco Mundial relativos ao controle da corrupção. A diversidade de fontes e metodologias é, sem dúvida, um ponto forte desses tipos de índices, pois permite uma visão mais abrangente da corrupção. Porém, pode dificultar a interpretação dos resultados, assim como a coleta e a atualização dos dados.

Em última análise, a preocupação com os problemas de cada tipo de levantamento deve-se ao fato de que a exposição de dados relativos à corrupção pode ser algo sensível e suscetível a manipulações e reações adversas, dependendo do contexto político e social de cada país. A apresentação de dados negativos pode afetar sua imagem internacional, afastando investimentos, assim como a percepção pública interna, gerando insatisfação na população e impulsionando movimentos políticos de oposição. Por outro lado, dados positivos, mas frutos de resultados incorretos, podem, além de mascarar a corrupção, levar a um direcionamento inadequado de recursos e de políticas públicas, assim como, por consequência, à perda de credibilidade nos índices.

É essencial nessa jornada pelo Graal da mensuração da corrupção, além da construção de índices mais sólidos, multifacetados, e suas constantes atualizações, buscar que eles não sirvam para instrumentalização política ou impliquem em injustos impactos negativos na credibilidade dos países. Faz-se necessário que sejam ferramentas para efetivas transformações no desenho das políticas de prevenção e de enfrentamento da corrupção, buscando fazer parte de uma estratégia mais ampla de promoção de uma cultura de integridade nos setores público e privado.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Daniel Aguiar Espínola
Coordenador de Riscos e Integridade no Ministério do Planejamento e Orçamento, auditor federal de Finanças e Controle, mestre em Governança e Desenvolvimento pela Escola Nacional de Administração Pública - ENAP e membro do Observatório de Economia e Gestão de Fraude - OBEGEF. Foto: Inac/Divulgação
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