Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Como o assassinato de Marielle foi encomendado e planejado, segundo a PF

Executor de disparos que vitimaram a vereadora e o motorista Anderson Gomes, Ronnie Lessa revelou três encontros com os irmãos Brazão, suspeitos de serem mandantes do crime, na Barra da Tijuca, para tratar dos pormenores da execução; Domingos e Chiquinho Brazão negam qualquer envolvimento com o crime

PUBLICIDADE

Foto do author Pepita Ortega
Atualização:
Furos de bala no carro onde estava a vereadora do PSOL-RJ, Marielle Franco. FOTO: CONSTANÇA REZENDE/Estadão  

Nas 479 páginas do relatório da Polícia Federal que culminou na prisão dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, os investigadores narram como se deu a encomenda e o planejamento do crime ocorrido em 14 de março de 2018. O executor dos disparos, Ronnie Lessa, disse ter tido três encontros com os irmãos Brazão, na Barra da Tijuca, para tratar dos pormenores da execução. Segundo o delator, era ‘só chegar lá, ia ver o carro parado e eles desembarcados e começar a conversar’.

Neste domingo, 24, a PF prendeu, no bojo da Operação Murder Inc. , o deputado Chiquinho Brazão, seu irmão Domingos conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio e o ex-chefe da Polícia Civil Rivaldo Barbosa sob a suspeita de serem os ‘autores intelectuais’ do assassinato de Marielle. Os três negam qualquer envolvimento nos homicídios. Segundo a PF, a possível motivação do crime seria o obstáculo que a vereadora representava para os interesses ‘escusos’ da família Brazão, ligados à milícia e à exploração de terras griladas.

Irmãos Brazão contratam ‘execução’ com ‘garantia de impunidade’

PUBLICIDADE

Segundo os investigadores, os ‘autores intelectuais’ do assassinato de Marielle contrataram dois serviços para executar o crime: a execução em si, por meio de Edmilson Macalé - que foi assassinado em novembro de 2021 - e Ronnie Lessa; e a ‘garantia prévia da impunidade’ com a quadrilha comandada pelo ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa na Divisão de Homicídios da corporação.

Na esfera da execução, os Brazão entraram em contato com Macalé no segundo semestre de 2017. Miliciano da área de Oswaldo Cruz - reduto eleitoral e imobiliário dos Brazão - Macalé era próximo de Chiquinho. A ele foi feita a proposta de assassinar a vereadora.

A Polícia Federal classifica o delegado Rivaldo como um dos ‘arquitetos’ do crime, considerando informações repassadas aos irmãos para planejamento da execução.

Publicidade

O deputado Chiquinho Brazão (União-RJ), o conselheiro do TCE- RJ Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio, chegam ao aeroporto de Brasília na tarde deste domingo, 24 Foto: Wilton Jr/Estadão/Ueslei Marcelino/Reuters

O convite a Lessa e a primeira reunião do assassino com os Brazão

Macalé então levou a proposta a Ronnie Lessa que, segundo os investigadores, foi ‘seduzido pela possibilidade de se tornar um miliciano detentor de uma extensa margem territorial’. Após Lessa aceitar o convite, a dupla foi à primeira reunião com os irmãos Brazão, intermediada por Robson Calixto Fonseca, o Peixe.

Nesse primeiro encontro, que aconteceu nas imediações do então Hotel Transamérica, situado na Barra da Tijuca, por volta de setembro de 2017, Lessa foi informado sobre três questões:

  • Os irmãos Brazão haviam infiltrado Laerte Silva de Lima nas fileiras do PSOL para um levantamento interno de informações. Foi a partir desse infiltrado que Domingos e Chiquinho ficaram sabendo que Marielle pediu ‘para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia’;
  • Domingos e Chiquinho apresentaram a Lessa e Macalé a ‘proposta de recompensa’ pelo crime: um grande loteamento nas imediações da Rua Comandante Luís Souto, Tanque, Rio de Janeiro. O ‘maior atrativo’ do negócio, no entanto, ‘a exploração dos serviços típicos de milícia decorrentes da ocupação dos loteamentos, como exploração de “gatonet”, gás, transporte alternativo’.
  • Foi repassada aos assassinos a única ‘exigência’ para a execução, feita por Rivaldo Barbosa (à época diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio): Marielle não poderia ser assassinada perto da Câmara dos Vereadores. Segundo Lessa, Rivaldo foi apresentado como uma ‘carta branca’ para a execução da parlamentar.

Ao final da reunião, segundo relato da PF, Lessa, ‘animado com o potencial da empreitada criminosa’, pediu a Macalé que providenciasse o que precisava para executar Marielle: a arma, o veículo, o aparelho celular e as informações pessoais da vereadora.

Trechos da delação de Ronnie Lessa Foto: Polícia Federal

A obtenção dos ‘instrumentos do crime’ – a arma e o carro

Segundo a Polícia Federal, os instrumentos usados na execução de Marielle e Anderson já foram providenciados logo após o primeiro encontro com os Brazão. A arma usada no assassinato, disparada por Lessa, foi cedida por Peixe e Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, para Macalé, em Rio das Pedras.

Publicidade

Lessa pediu a Macalé que a arma não fosse um revólver. O comparsa então lhe forneceu uma HK MP5, submetralhadora alemã com a qual o delator estava familiarizado, vez que operava tal tipo de armamento quando era do BOPE. O assassino chegou a testar a arma quando foi a um motel abandonado, junto com Maxwell.

Peixe e Fininho haviam fornecido a arma para Macalé com dois carregadores cheios e uma exigência – ela tinha que ser devolvida após a execução. A PF não conseguiu identificar a origem da arma e das munições usadas no crime, mas indica que ela foi desviada do paiol de alguma instituição estatal. Segundo Élcio Queiroz, a submetralhadora teria sido desviada do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio.

Já o veículo Cobalt, dirigido por Élcio de Queiroz no dia da execução, foi obtido pelo ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, através de Otalício Antônio Dias Júnior, o Hulkinho. O veículo clonado, foi cedido em razão da morte de seu dono, o miliciado Hamburgão, lutador de artes marciais que já havia sido patrocinado por Lessa para disputar torneios. Para providenciar o carro, Hulkinho buscou outro miliciado, o lutador de jiu-jitsu Big Mac, morto em 2018.

O cobalt usado pelos assassinos de Marielle e Anderson Foto: Polícia Federal

Monitoramento de Marielle e segundo encontro com os Brazão

Com os instrumentos do crime já em mãos, Lessa passou então a monitorar Marielle. Foi até a casa da vereadora, estudar o local, mas considerou como de difícil monitoramento por conta do policiamento. Também cogitou o Dida Bar, na Praça da Bandeira, mas avaliou que as condições do local ‘também inviabilizavam uma tranquila execução’.

Segundo a Polícia Federal, Lessa então ficou ‘impaciente com a falta de avanço na empreitada’ e resolveu fazer tocaia na saída da Câmara, o que esbarrava na exigência do delegado Rivaldo. A avaliação era a de que a condição poderia inviabilizar a execução.

Publicidade

Foi então que o delator buscou Macalé e pediu que fosse realizada uma segunda reunião com os Brazão, para tentar demovê-los da ‘exigência’. O encontro foi nas imediações do Hotel Transamérica, na Barra da Tijuca. A ideia, no entanto, foi ‘prontamente rechaçada’ pelos mandantes do crime.

Lessa então retomou as diligências de monitoramento de Marielle. Fez inclusive tocaias que não eram direcionadas só à vereadora do PSOL, mas também a Regina Celi, um alvo ‘paralelo’. Celi era presidente da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro e seu homicídio foi encomendado pelo contraventor Bernardo Bello.

No dia 12 de março de 2018, Lessa pesquisou o CPF de Marielle e de sua filha Luyara para consultar a residência de ambas, chegando mais uma vez ao endereço que já havia avaliado. Lessa então passou a estudar o endereço com afinco.

A véspera e o dia do assassinato – 14 de março de 2018

Às vésperas do assassinato de Marielle e Anderson, Rivaldo tomou posse como chefe da Polícia Civil do Rio. Segundo os investigadores, a exigência que o delegado fez, para que Marielle fosse assassinada longe da Câmara dos Vereadores, tinha como fundamento a ‘necessidade de se afastar outros órgãos, sobretudo federais, da persecução do crime em comento, de modo a garantir que todas as vicissitudes da investigação fossem manobradas’ pelo delegado.

Ao meio dia do dia 14 de março e 2018, Lessa recebeu uma ligação de Macalé. Este por sua vez narrou que havia recebido uma chamada de Laerte, sendo que quem estava na linha, na verdade era Major Ronald. Este último passou aos assassinos a informação de que na noite daquele dia haveria o evento na Casa das Pretas com Marielle.

Publicidade

Ronnie então ligou para Élcio Queiroz, que já havia sido informado sobre o ‘serviço em andamento’ no Réveillon de 2018. Em sua delação, Élcio já havia relatado que na virada no ano, Lessa havia lhe contado, bêbado, sobre uma primeira tentativa de matar Marielle, quando o ‘carro deu problema’. Nessa primeira tentativa de emboscada, Suel dirigia o carro, Lessa era o atirador no banco da frente, e Macalé estava no banco de trás.

O início da obstrução das investigações e a terceira reunião entre Lessa e os Brazão

Menos de doze horas depois da morte de Marielle e Anderson, na manhã do dia 15, Rivaldo nomeia o delegado Giniton Lagez como titular da Delegacia de Homicídios do Rio, responsável pelo crime. Segundo a PF, ali se operacionalizou a ‘garantia da impunidade dos autores do delito’. Rivaldo é apontado como chefe de um esquema de corrupção na Delegacia de Homicídios do Rio, com a cobrança até de uma espécie de mensalinho.

Durante as apurações do caso Marielle, a Polícia Civil do Rio teria sido negligente em quatro situações: na hora de recolher as imagens das câmeras de segurança do local do crime; com o desaparecimento do celular apreendido do suposto responsável por clonar o veículo usado na execução; na ausência de informações substanciais acerca da busca e apreensão realizada em empresa de sócio dos Brazão; e o no bojo da Operação Nevoeiro, que teria sido sabotada para “proteger contraventores”.

De acordo com Lessa, a garantia de impunidade em um primeiro momento abarcava inclusive os assassinos. Isso porque, em uma última reunião com os Brazão, realizada em abril de 2018, lhe foi indicado que Rivaldo ‘estava promovendo a deflexão da investigação’. Na época, o crime começou a ser imputado a Marcelo Siciliano.

Segundo o delator, o encontro se deu com o objetivo de tranquilizar Ronnie. Na ocasião, Domingos informou a Macalé e Ronnie, quando estes estavam entrando no carro, que a arma usada no crime teria de ser devolvida. Macalé tentou demover o conselheiro do TCE da ideia, sem sucesso. Segundo Domingos, a arma deveria ser recolocada no lugar.

Publicidade

Dias depois do encontro com os Brazão, Ronnie e Macalé encontraram Peixão e Fininho em Rio das Pedras. Macalé entregou a bolsa a Peixão. Este teria tirado os carregadores da mala, se dirigido a um córrego e jogou as munições restantes na água.

Trechos da delação de Ronnie Lessa Foto: Polícia Federal
Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.