O recente caso de Gisèle Pélicot, uma francesa de 72 anos vítima de mais de 90 estupros orquestrados pelo marido, chocou o mundo e levantou questões sobre como diferentes sistemas jurídicos lidam com crimes sexuais complexos. No Brasil, como a lei trataria um caso semelhante? As vítimas enfrentariam problemas similares aos de Gisèle?
Durante uma década, ela foi dopada pelo marido e estuprada por dezenas de homens desconhecidos. O julgamento do caso expôs não apenas a brutalidade dos crimes, mas também a revitimização sofrida pela idosa, que foi acusada de alcoolismo e cumplicidade pelos advogados de defesa dos réus.
No Brasil, o ato sexual com vítima sem condições de oferecer resistência é considerado estupro de vulnerável, um crime gravíssimo no nosso ordenamento jurídico. Está previsto no Artigo 217-A do Código Penal, com penas que variam de 8 a 15 anos de reclusão. Além disso, é considerado crime hediondo, o que implica em um tratamento penal mais rigoroso, tanto no estabelecimento da pena quanto na análise da prisão preventiva e na progressão de regime.
A relação de parentesco entre o criminoso e a vítima e a participação de múltiplos agressores são pontos que aumentam a pena. O machismo estrutural ainda faz muita gente não entender que a mulher não é obrigada a manter relação sexual com o seu marido. Se isso é feito sem o consentimento dela, estamos diante de um estupro. No Brasil, o fato de o crime ser cometido pelo cônjuge aumentaria a pena em 50%. No caso do estupro coletivo, a pena seria aumentada de um terço a dois terços. A repetição dos atos ao longo do tempo seria considerada continuidade delitiva, podendo aumentar a pena de um sexto a dois terços.
Sobre o tratamento conferido às vítimas, nossa legislação tem mecanismos para garantir que elas sejam respeitadas. No caso da França, a vítima afirmou estar sendo humilhada pelos advogados dos réus, é importante destacar que a vítima brasileira contaria com o apoio da Lei Mariana Ferrer. A Lei 14.245/2021 foi um marco na proteção das vítimas durante o processo judicial. Ela proíbe a humilhação e o desrespeito à vítima, garantindo que o foco permaneça nos fatos do crime, não na conduta da pessoa agredida.
Outro amparo conferido às vítimas é a Lei 14.321/2022, que prevê punição às autoridades que permitirem a humilhação de vítimas e testemunhas. De acordo com a norma, essas autoridades podem responder por abuso de autoridade. Isso reforça a proteção às vítimas e a seriedade com que o Judiciário trata esses casos no Brasil.
O caso francês serve como um alerta global sobre a gravidade dos crimes sexuais e a necessidade de sistemas judiciais preparados para lidar com sua complexidade. No Brasil, embora a legislação seja rigorosa, a sociedade e as instituições devem permanecer vigilantes para garantir que a justiça seja feita e que as vítimas sejam protegidas e respeitadas.
Convidado deste artigo
As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.