Contratos bancários, disputas por grandes extensões de terras em Mato Grosso, questões societárias e dívidas são alguns dos temas que perpassam os processos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos quais a Polícia Federal investiga a tentativa de interferência nas decisões por parte do lobista Andreson Gonçalves — preso na última terça-feira, 26. De um total de 12 processos analisados pela PF, sete contaram com a atuação direta de um antigo aliado de Andreson, o advogado Roberto Zampieri. Apontado como o ‘lobista dos tribunais’, Zampieri foi assassinado a tiros em frente a seu escritório em Cuiabá em dezembro passado.
Dos sete processos com a digital de Zampieri, ele saiu vencedor em cinco. Um ainda tramita no STJ.
A lista dos processos foi citada em hipóteses criminais pelos investigadores da Operação Sisamnes e consta da decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que deu aval para as diligências cumpridas na terça-feira, 26. O suposto envolvimento e interesse de Andreson nesses doze casos levou não só à sua prisão, mas também ao bloqueio de R$ 6 milhões de seus bens. O ministro o classifica como chefe de um ‘ousado e verdadeiro comércio’ de sentenças do STJ.
O Estadão levantou os dados dos processos elencados por Zanin no despacho da Operação Sisamnes. Os autos sob análise dos investigadores estão sob relatoria das ministras Maria Isabel Gallotti e Nancy Andrighi e do ministro Og Fernandes, todos do Superior Tribunal de Justiça.
O STF indicou que não foram encontrados indícios de envolvimento de ministros do STJ com o esquema capitaneado por Andreson e Zampieri. O STJ, por seu lado, investiga ao menos quatro assessores de gabinetes de ministros por suposta ligação com venda de sentenças. A Corte nega com veemência o envolvimento de seus ministros.
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A reportagem busca contato com Andreson desde o dia em que foi aberta a Sisamnes, via o escritório de sua mulher, Mirian Gonçalves. Também pediu o posicionamento de servidores via STJ. O espaço está aberto para manifestações.
Em outubro, Nancy Andrighi anunciou a abertura de uma apuração sobre a conduta de servidores supostamente ‘cooptados’ por Andreson e Zampieri. “Não posso dizer o que sente um juiz com 48 anos de magistratura quando se vê numa situação tão estranha como essa. O importante é que já foi localizada a pessoa, respondeu uma sindicância e está aberto o PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar) no tribunal.”, frisou a ministra, na ocasião.
Assuntos em comum
Os processos no radar da PF apresentam assuntos em comum: “posse”, “propriedade” e “contratos”. Alguns se destacam pela curiosidade, como a ação de um produtor rural que pediu indenização em razão de o agrotóxico não ter surtido efeito em sua lavoura. Há também o caso de um homem que teve que devolver grande quantia de dinheiro ao banco por ter sacado uma multa judicial que posteriormente foi reduzida.
Outras demandas chamam atenção pela complexidade. É o caso de um processo ligado à participação societária da J&F, dos irmãos Baptista, e da empresa matogrossense MCL na Eldorado Celulose. A decisão de Zanin sobre a Operação Sisamnes não faz qualquer ponderação sobre as empresas, tampouco lança suspeitas sobre elas. A reportagem entrou em contato com as companhias e o espaço está aberto para manifestações.
A maioria dos casos chegou ao STJ por meio de recursos apresentados por advogados. São pedidos de natureza diversa, tanto para serem analisados diretamente na Corte como para que os processos subissem ao STJ. O caso da Eldorado, por exemplo, chegou à Corte superior em forma de ‘conflito de competência’, quando o STJ tem que decidir qual juízo detém atribuição para julgar determinado processo.
Também consta da lista uma medida cautelar que resultou na abertura de uma das fases da Operação Faroeste - investigação sobre venda de sentenças que teria se instalado no Tribunal de Justiça da Bahia. Como mostrou o Estadão, a PF suspeita que o chefe de gabinete do ministro Og Fernandes teria vazado a decisão para Andreson no dia em que foi instaurada a quinta etapa da Faroeste.
A ação levou à prisão da desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, que se tornou a primeira magistrada delatora do País - ela apontou 12 desembargadores, onze juízes e onze advogados, além de lobistas e servidores do Tribunal de Justiça baiano.
A maioria dos sete processos de interesse de Zampieri já está encerrada. Apenas dois, um no qual ele saiu vencedor e outro sobre honorários, ainda estão em curso, respectivamente, no Supremo Tribunal Federal e no próprio STJ.
Um episódio cujo desfecho desagradou Zampieri envolve a falência de um frigorífico e a venda de um imóvel da empresa. Foi esse caso que Zampieri pediu a Andreson para “ver junto a sua amiga, pelo amor de deus” se seria possível alguma interferência. Diálogos identificados pela PF mostram que, no dia em que a ministra Nancy Andrighi despachou no caso, o advogado escreveu: “Agora eu tô morto meu amigo. Por favor, veja com sua amiga o que tem que ser feito p ELA CORRIGIR ESSA DECISÃO, se não eu to morto meu amigo.”
O despacho do qual Zampieri reclamou considerava que o conflito de competência no STJ estava “esvaziado” vez que um dos juízos envolvidos no questionamento abriu mão do caso - o juízo de Mato Grosso. Zampieri e outras partes do processo chegaram a recorrer da decisão que considerou o processo, no STJ, inócuo, mas não obtiveram sucesso.
Veja a seguir a lista de processos na mira da Operação Sisamnes
- Recurso Especial 1.584.111/Mato Grosso
Assunto: Coisas, Posse.
Ministros que despacharam no processo: Maria Isabel Gallotti e Og Fernandes (hoje relator)
Status: Subiu para o Supremo Tribunal Federal
Recurso ligado a ação proposta contra um cliente de Zampieri, envolvendo reintegração de posse. O juízo de primeiro grau reconheceu o esbulho (quando um proprietário de um bem fica impedido de acessá-lo) e determinou que, após o trânsito em julgado da sentença, fosse expedido o mandado de reintegração de posse em favor dos autores do recurso (na época eles saíram vencedores). Em segundo grau, após três recursos, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso decidiu reanalisar o caso. Então, a filha dos autores da ação recorreu ao STJ. O recurso não foi aceito pelo STJ e Zampieri saiu vencedor.
- Agravo em Recurso Especial 1.714.650/Mato Grosso
Assunto: Obrigações, espécies de contratos, compra e venda.
Ministro que despachou no processo: Maria Isabel Gallotti.
Status: no dia 16 de outubro, o Ministério Público Federal foi intimado de uma decisão que mandou um grande banco se manifestar sobre o interesse no julgamento de um agravo interno.
Recurso de um banco contra decisão que negou um outro recurso interposto no Tribunal de Justiça de Mato Grosso. No centro do questionamento está a decisão da Corte de manter o banco no polo passivo de uma ação impetrada por pessoas que alegaram terem sido “prejudicadas por um negócio jurídico simulado” fechado entre a instituição e terceiros. Os autores da ação buscam a anulação dos negócios jurídicos tidos por eles como simulados. O recurso do banco foi negado. Segundo o ministro Cristiano Zanin, a decisão acabou atendendo os interesses de Zampieri.
- Recurso especial 1.829.667/Mato Grosso
Assunto: Direito do Consumidor - Responsabilidade do Fornecedor, Indenização por Dano Material. Tutela Provisória, Indenização do Prejuízo. Liquidação / Cumprimento / Execução, Inexequibilidade do Título / Inexigibilidade da Obrigação.
Ministro que despachou no processo: Maria Isabel Gallotti
Status: Transitou em julgado em agosto de 2020.
Recurso em que uma grande empresa química multinacional questionava decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que impôs pagamento de danos morais a um produtor rural defendido por Zampieri após entender que o insumo agrícola adquirido por ele “era ineficiente, isso é, não foi apto a combater os percevejos de sua lavoura, como anunciado no rótulo do produto, situação que causou prejuízos à sua safra”. O TJ ainda declarou a inexigibilidade das duplicatas originadas pela comercialização do agrotóxico. O recurso foi negado e Zampieri saiu vencedor no caso.
- Agravo em recurso especial 1.573.661/Mato Grosso
Assunto: Coisas, Propriedade, Reivindicação
Ministro que despachou no processo: Maria Isabel Gallotti
Status: Processo ainda em tramitação, com última movimentação no dia 22 de novembro.
Recurso que uma agropecuária ajuizou contra cliente de Zampieri, relacionado a uma escritura pública de compra e venda de uma área correspondente a 75% de imóvel rural “indevidamente reivindicado”. A agropecuária sustentava que só não houve registro perante a matrícula do imóvel em razão da exigência do prévio georrefenciamento perante o Incra. O tamanho total do imóvel pivô da ação é 9.645,9335 hectares. O recurso foi negado e Zampieri saiu vencedor no caso.
- Agravo em recurso especial 1.712.679/Mato Grosso
Assunto: Coisas, Posse, Esbulho, Turbação, Ameaça
Ministro que despachou no processo: Maria Isabel Galotti (relatora) e Paulo de Tarso Sanseverino.
Status: Processo estava paralisado desde 2021, para pronunciamento do STJ sobre um tema, e voltou a tramitar em fevereiro deste ano.
Recurso de agropecuária contra Zampieri sobre “fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade” ligada a uma ação de reintegração de posse.
- CC 178.847/MT
Assunto: Coisas, Posse, Esbulho, Turbação, Ameaça. Empresas, Recuperação judicial e Falência.
Ministro que despachou no processo: Nancy Andrighi
Status: Arquivado em 2021.
Conflito de competência envolvendo duas ações: uma, tramitando em MT, sobre manutenção de posse; e outra, em São Paulo, sobre a falência de um frigorífico. O imóvel que é alvo de da ação de manutenção de posse foi comprada pela agropecuária no processo falimentar do frigorífico. A agropecuária pedia a suspensão de ordem de reintegração de posse do imóvel, pedido que foi negado pela ministra. Processo foi julgado prejudicado em razão de o juízo de MT ter reconhecido sua competência e encaminhado os autos a São Paulo. Mensagens de Zampieri mostram o descontentamento com o desfecho do caso.
- Agravo em Recurso Especial 1.896.587/Mato Grosso
Assunto: Obrigações, Espécies de Contratos, Compra e Venda. Coisas, Posse, Esbulho, Turbação, Ameaça
Ministro que despachou no processo: Nancy Andrighi
Status: Baixa para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso em 25 de novembro de 2021.
Recurso impetrado em ação de resolução contratual em razão de inadimplemento de contrato de compra e venda de bem imóvel. Foi negado o pedido de reintegração de posse no bojo do processo. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o recurso “foi julgado e improvido, tal como desejava o advogado Roberto Zampieri”.
- Agravo em Recurso Especial 538.382/São Paulo
Assunto: Obrigações, Espécies de Contratos, Contratos Bancários. Família, Bem de Família (Voluntário). Liquidação / Cumprimento / Execução, Penhora / Depósito/ Avaliação.
Ministros que despacharam no processo: Felix Fischer e Maria Isabel Galotti (relatora)
Status: Processo saiu do STJ e voltou para o TJ-SP em 19 de abril de 2022
Recurso para que o STJ analisasse o caso de pessoas que negavam ter assinado contrato de abertura de crédito com um banco no valor de R$ 275.765,42, apenas uma nota promissória vinculada. Questionavam o cálculo de evolução do débito cobrado pelo banco e sustentavam indevida penhora de bens após dez anos. Pediam a prescrição da dívida em razão da paralisação do caso, vez que a citação ocorreu em 1997 e só se consumou em 2009, com o comparecimento espontâneo da pessoa que questionava a cobrança.
- Agravo em recurso especial 1.376.384/Rio Grande do Sul
Assunto: Obrigações, Espécies de Contratos, Contratos Bancários.
Ministro que despachou o processo: Maria Isabel Galotti
Status: Baixou para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 17 de março de 2018
Recurso envolvendo a execução de uma multa em título judicial. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reduziu o valor de R$ 1 mil para R$ 100 e o banco pediu a restituição de 90% de R$ 965.480,12 levantados pela parte “sem caução, como resultado do descumprimento por três anos da ordem de juntada do contrato de abertura de crédito em conta corrente na ação revisional ajuizada pelo agravante”. Em outro recurso, STJ determinou o depósito de R$ 846 mil requeridos pelo banco. O recurso contra o banco foi acolhido para “excluir a ordem de bloqueio e devolução de valores direcionada ao causídico da parte, o qual deverá ser demandado em ação própria, caso responsável por danos”.
- Agravo em recurso especial 1.553.735/Mato Grosso
Assunto: Coisas, Posse
Ministro que despachou no processo: Maria Isabel Galotti
Status: baixou para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso em 20 de maio de 2022
Recurso de banco contra decisão que determinou o julgamento simultâneo de duas ações: uma de imissão de posse fundada em garantia fiduciária e outra que questiona uma garantia fiduciária. O TJ entendeu que os processos devem tramitar em conjunto, vez que a segunda ação questiona justamente a garantia fiduciária da primeira. O recurso foi negado.
- CC 171.855/Mato Grosso do Sul
Assunto: Empresas, Espécies de Sociedades, Anônima
Ministro que despachou o processo: Nancy Andrighi
Status: Arquivado definitivamente em 15 de setembro de 2023.
Conflito de competência suscitado em 24 de abril de 2020 para estabelecer qual o juízo competente para analisar ação sobre questões societárias entre J&F e MCL (processo envolvendo a nulidade de acordo de acionistas), relativas à participação na Eldorado. Foi arbitrada a competência da Justiça de São Paulo para analisar o caso, com os interesses da J&F satisfeitos. A decisão foi confirmada em colegiado.
- PBAC nº 10 /Distrito Federal
Autos de uma das fases da Operação Faroeste, que teria sido vazada, segundo a PF, supostamente pelo chefe de gabinete (afastado) do ministro Og Fernandes ao lobista Andreson Gonçalves. As mensagens entre Andreson e Zampieri sobre o tema começaram no dia 24 de março de 2020, quando a PF abriu a quinta fase da Operação Faroeste e prendeu a desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, que posteriormente veio a ser a primeira desembargadora a fechar um acordo de delação no Brasil.
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