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Opinião|Contra a corrupção, a virtude

É preciso reconhecer que nenhuma sociedade, como afirmou Jacques Monod, pode sobreviver sem um código moral fundado em valores. Valores que sejam compreendidos, aceitos e respeitados pela maioria de seus membros

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convidado
Por José Renato Nalini

Impressiona o ser humano mais sensível, a impressão de que a corrupção impregnou todos os setores da sociedade. O espaço público, tem-se quase certeza, contaminou-se de tal modo que não sobra espaço para a pura idoneidade. E pensar que o fim da política seria a construção de um mundo ético. No moralismo político, a vida política deveria ser um ramo da ética. A política é o caminho ara a conquista de objetivos relevantes, quais a justiça, igualdade, liberdade, fraternidade, felicidade ou autodeterminação.

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Não parece que a política partidária tenha caminhado para isso. ao contrário, tudo indica um acelerado declínio da compostura, que é o primeiro sinal da estatura moral de um sistema. A ética tem início nos detalhes. As “palavras mágicas” da primeira mestra, a mãe, que no lar ensina a prole a dizer “obrigado”, “por favor”, “com licença”, “desculpe-me” e outros verbetes em desuso, até se chegar ao trivial “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “até logo” e “até amanhã”.

Há um paradoxo nos tempos em que vivemos. Em certos círculos minúsculos, parece crescer a demanda por ética. Se os tempos reclamam o retorno à conduta irrepreensível, a vida concreta é um descalabro total. Um discurso edificante, uma prática miserável.

A falta de compromisso com a moral já foi chamada de “vazio ético”. O que essa expressão designa? Para Jacqueline Russ, “vivemos num momento em que as referências tradicionais desapareceram, em que não sabemos mais exatamente quais podem ser os fundamentos possíveis de uma teoria ética. O que é que, hoje, nos permite dizer que uma lei é justa?”.

Mais do que isso, qual a certeza que se pode ter, quanto a uma “decisão justa”? A mídia propaga o descrédito em todas as Instituições. Nenhuma está a salvo. Daí esse abismo, essa relação com o nada. Algo que Hans Jonas soube tão bem interpretar ao escrever: “Agora estremecemos no desnudamento de um niilismo, no qual o maior dos poderes se acopla com o maior vazio”.

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O que fazer diante do niilismo, da morte das ideologias, da emergência do egoísmo narcisista, que encontra um convite sedutor no paraíso das redes sociais? É preciso reconhecer que nenhuma sociedade, como afirmou Jacques Monod, pode sobreviver sem um código moral fundado em valores. Valores que sejam compreendidos, aceitos e respeitados pela maioria de seus membros.

Não temos nada disso, ou não nos preocupamos com isso. Será que conseguiremos controlar o mundo fantástico da tecnologia com o critério de um vago humanismo colorido por um hedonismo otimista e materialista?

A lucidez responde que não. Encontrar um imperativo ético é uma das urgências de uma sociedade sem referências, imersa na maior desordem contemporânea. Cumpre recordar as três grandes questões propostas por Kant em sua “Crítica da razão pura”: o que posso conhecer? O que devo fazer? O que tenho a esperar?

Perscrutar o pensamento de filósofos que propõem alternativas para a nau sem rumo da humanidade em guerra, pode ajudar a alguns. Mas não se negligencie a necessidade de um atuar prático, ainda que seja restrito aos pequenos círculos nos quais nos enclausulamos. Qual tem sido a nossa posição, diante dos atentados perpetrados contra o que já foi o maior patrimônio moral da humanidade?

Vive-se num país de profundas desigualdades e de prática incessante da maior e mais cruel gama de injustiças. Praticar a virtude da justiça é o primeiro e, talvez, o mais importante passo que o indivíduo possa se propor. Justiça, verbete polissêmico, a designar o sistema estatal encarregado de solucionar conflitos, o que nem sempre consegue. A experiência brasileira é a de que decisão judicial encerra a lide. Não elimina o conflito.

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Justiça, no proceder rotineiro, como celebração de um novo contrato social, entre pessoas racionais. O contrato que executamos é muito injusto, desproporcional às necessidades dos mais carentes. É preciso reequilibrar essa equação. Para tanto, recobrar aquelas virtudes hoje tão desprezadas: a caridade, a generosidade, a bondade, a fraternidade, a solidariedade. Se conseguirmos resgatá-las, a corrupção endêmica poderá regredir e o projeto humano já não poderá ser considerado um autêntico fracasso.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
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