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Opinião | Contrato de namoro: agamia e estelionato

Tribunais têm entendido como ‘qualificado’ o namoro em que as partes projetam para o futuro, e não para o presente, o intento de constituir família. Nesses casos, os contratos de namoro deixam claro que o casal, mesmo que vivendo sob o mesmo teto, com relacionamento público e duradouro, não tencionam ter qualquer compromisso patrimonial!

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Por Amaury Andrade e Margareth Zanardini

O direito de família tem sofrido grandes modificações, dentre elas a busca pela chamada autonomia da vontade e liberdade individual. É a partir disso que surge a “contratualização das relações afetivas”.

Não é mais novidade a existência de pessoas que desejam ter uma ligação com as características da agamia (uma tendência atual, na qual inexiste o romantismo, a exclusividade e a intenção de ter filhos). A palavra deriva do grego, cujo desmembramento aponta para o seguinte significado: “a” (não ou sem) e “gamos” (casamentos, sem algo realmente afetivo).

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Além das ligações agâmicas, dentro do panorama da falta de interesse em maiores compromissos, surgem os chamados “contratos de namoro”. Para o Direito, é por meio de um contrato que as partes expressam suas vontades.

Para ser válido, nele deve haver um agente capaz, vontade livre, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e legal, porém, sem solenidades.

Afinal, os contratos de namoro podem ser feitos de maneira particular, apenas com o reconhecimento de firma das partes e das testemunhas – o que, ressalta-se, não é recomendável, já que o mais seguro a se fazer é efetivar um contrato perante os cartórios de notas (que detém fé pública), devendo nele constar a renúncia ao interesse de constituir família em união estável e, ainda, um prazo de validade, lapso temporal que, posteriormente, obrigará uma renovação.

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Nesses contratos são estabelecidas cláusulas das mais diversas, como as mencionadas na obra “Os Danos do Amor, dos namoros intencional ou diferenciado até que o litígio ou a morte os separe”. Nessa obra, a propósito, há vários outros temas bem polêmicos. Lá, ao abordar o assunto, extraiu-se das redes sociais exemplos de cláusulas bem surreais, como as abaixo:

“Serem totalmente fiéis um ao outro, jamais celebrando contrato de namoro, noivado, casamento, olhada, ficada e casus sordidus com qualquer outra mulher, homem ou qualquer forma de vida.”

“Dedicar-se ao estudo acadêmico e intelectual de forma que suas faculdades mentais não se tornem obsoletas ou sem uso.”

“Tolerar plenamente a religião, ideologia, seita, filosofia um do outro, renegando e abdicando a qualquer religião, ideologia, seita ou filosofia que teria sido seguida antes da celebração do contrato e diretamente contrária.”

“Ambos comprometem-se a primar por resolver os problemas do casal por meio do diálogo. Salvo nos casos de teimosia, nesses casos tá liberada a chinelada.”

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Veja-se que, na prática, além de um plano de convivência, as partes buscam certa “blindagem patrimonial” e a expressão de que “não querem constituir uma união estável”, característica que difere da entidade familiar denominada União Estável, já reconhecida pela Constituição Federal e pelo artigo 1.723, do atual Código Civil, que prevê: se configura a União Estável pela convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. No projeto do novo Código Civil, a esse respeito, retira a expressão “com objetivo de” para não mais deixar ao arbítrio do Judiciário concluir ou não pelo intento da pessoa.

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Ocorre que um dos pontos fundamentais da liberdade de contratar é a boa-fé, e aí que se encontra a possibilidade de esse contrato (o de namoro) ser utilizado como matéria-prima do chamado “estelionato romântico ou afetivo”, pretenso crime que vem sendo reconhecido pelos tribunais, em que pese ainda não exista uma tipificação penal (isto é, um crime descrito como tal em uma lei).

Tramitam projetos de lei nesse sentido, como o mencionado no capítulo relativo a esse mesmo tema descrito no livro da escritora Margareth Zanardini, então prefaciado por Amaury: Projeto de Lei sob o n.º 6.444/2019, votado na data de 04 de agosto de 2022, na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Júlio Cesar Ribeiro, que pretende tipificar o crime de estelionato sentimental e incluí-lo no Código Penal.

Constata-se que, em alguns casos, para se tentar descaracterizar as espécies de família, algumas pessoas buscam obter vantagem financeira. Então, propõem ao namorado essa modalidade de contrato (de namoro), imaginando que, com isso, poderão demonstrar a impossibilidade de partilhar bens eventualmente adquiridos durante o período de convivência.

Ocorre que o contrato de namoro não pode ser utilizado como forma de trazer prejuízo à outra parte, tampouco como artifício a fazê-la renunciar a direitos, os quais a união estável já proporciona (partilha de bens ou até pensionamento).

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Se para o código penal, estelionato é, segundo o artigo 171, do CP, “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, patente que, se o contrato for usado na busca de vantagem ilícita, além da tipificação penal, será possível a anulação de tal documento e a busca do reconhecimento dos direitos da pessoa lesada.

Assim sendo, é inútil elaborar contratos de namoro quando esses buscam mascarar uniões estáveis, pois é certo que, nesses casos, tais contratos serão anulados e, consequentemente, reconhecida a união estável quando confirmados os requisitos das modalidades de família, a qual, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, pode ser hétero ou homoafetiva.

Também é de se ressaltar que existe uma linha tênue entre o namoro que se estabeleceu como “qualificado” e a união estável, adjetivo que foi, até mesmo, objeto de insurgência no livro “Os Danos do Amor” por ser pejorativa.

Os Tribunais têm entendido como “qualificado” o namoro em que as partes projetam para o futuro, e não para o presente, o intento de constituir família. Nesses casos, os contratos de namoro deixam claro que o casal, mesmo que vivendo sob o mesmo teto, com relacionamento público e duradouro, não tencionam ter qualquer compromisso patrimonial!

Resta, então, ao Judiciário julgar cada caso concreto e, diante das provas produzidas, estabelecer se o contrato é válido ou se buscou, através de algum meio fraudulento, prejudicar uma das partes.

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Amaury Andrade
Professor de Direito Processual Penal, criminalista, palestrante e escritor do livro “A arte na defesa criminal - tutorial de experiência prática para o criminalista. Foto: Arquivo pessoal
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