PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião|Controle do Judiciário pelos Tribunais de Contas

Entre a vedação ao poder ilimitado e a autonomia condicionante da imparcialidade

PUBLICIDADE

convidado
Por Laura Mendes Amando de Barros

O sistema de controle da ação pública desenhado no texto constitucional pressupõe a atuação coerente, coordenada e complementar das diversas instâncias – inclusive social -, tanto do ponto de vista passivo quanto ativo.

PUBLICIDADE

Todos os atores desse ecossistema investidos na posição de controladores são igualmente controlados, submetidos a escrutínio, como forma de concretização do sistema de freios e contrapesos.

Os valores estruturantes do Estado Democrático de Direito são incompatíveis com poderes absolutos, fazendo-se imprescindível, portanto, estratégias de contenção, revisão e accountability.

Tal premissa é absolutamente clara no que tange ao Executivo, Legislativo, Tribunais de Contas, Ministério Público e à própria sociedade civil, cuja atuação é potencial e invariavelmente sujeita a controle judicial, nos termos do artigo 5º, XXV da CF.

Em se tratando do Judiciário, porém, a questão parece um pouco menos evidente – até em razão da sua competência para dar a palavra final em toda a sorte de conflitos e discussões.

Publicidade

Tal posição redunda em distorções interpretativas e resistências infundadas, mormente em termos de transparência – a que estão sujeitos todos aqueles que de alguma forma exercem função administrativa, ainda que no bojo de algum ‘poder’ da república.

Nesse sentido, todos os atos relativos a pessoal, contratação, remuneração etc praticados por servidores do Judiciário estão sujeitos a tal princípio (e a todos os demais orientadores da ação administrativa).

Não obstante a clareza e inafastabilidade de tal premissa, constata-se alguma resistência nesse campo: ainda se cultiva considerável opacidade, em situações como gastos dos ministros do STF em viagens e sua utilização de aviões da Força Aérea Brasileira (conforme referendado pelo TCU, no acórdão 852/2024, e inclusive após a finalização da utilização).

Há, porém, melhorias dignas de registro: conforme constatado em maio do corrente pela Transparência Brasil em avaliação do Portal do CNJ[1], os Tribunais Superiores e militares atingiram o índice de 98% de transparência quanto aos contracheques – cenário dissonante da esfera estadual, em que sete Tribunais apresentam dados ausentes há quinze meses.

Referidas entidades (TB e CNJ) firmaram acordo de cooperação justamente visando o incremento da transparência.

Publicidade

Para além da fiscalização pela sociedade civil, o Judiciário está igualmente sujeito ao controle dos atores institucionais, dos quais destacamos o Tribunal de Contas (artigos 71, 74 e 103-B).

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nesse sentido, digno de registro paradigmático acórdão 1475/2020 do TCU, em que levou a efeito auditoria voltada a avaliar se as atividades das unidades de auditoria interna do Judiciário federal (notadamente do STF, STJ, TRF1 e TRE/DF) encontram-se aderentes aos padrões internacionais estabelecidos pelo Institute of Internal Auditors (IIA) no International Professional Practices Frameword – IPPF, e se observam os princípios da independência e objetividade de auditores, adotam análises de risco, avaliam a qualidade dos trabalhos e a implantação de medidas para o desenvolvimento profissional da competência técnica dos seus auditores.

Resultou, primeiro, em diagnóstico de essencial importância – impulsionador do potencial aperfeiçoamento do modelo de controle interno -, vez que constatado o não atendimento (total ou parcial) objetivo de alguns indicadores.

Demonstrou, ainda, os caminhos a serem percorridos com vistas a esse aperfeiçoamento, facilitando o seu percurso pelas unidades avaliadas.

Na mesma época em que realizada a auditoria, foram editadas pelo CNJ as Resoluções 308 e 309, que igualmente tratam do tema, em especial da organização da auditoria interna do Judiciário e da disciplina das respectivas diretrizes técnicas.

Publicidade

Evidencia-se, assim, a importância de uma abordagem sistêmica do controle, com a retroalimentação e orquestração de atividades em prol do aperfeiçoamento da ação pública e, em última análise, da prestação de melhores serviços à população.

Não se trata simplesmente de apontar erros, punir irregularidades: busca-se mudança cultural, por meio do qual a colaboração institucional é utilizada como mecanismo de aprimoramento e evolução.

O Supremo já havia reconhecido a competência dos Tribunais de Contas para o julgamento das contas do Judiciário – sem a possibilidade de envolvimento do Legislativo -, no julgamento das ADINs 4.978/RR e 6981/SP.

Tal posicionamento não traduz, em absoluto, qualquer novidade: o texto constitucional traz expressamente esse controle das Cortes de Contas sobre o Judiciário.

A extensão e importância de tal dinâmica, porém, nos parecem ainda um tanto subvalorizadas e subutilizadas, o que daria sensação de que tal poder estaria imune ao controle, como se fosse, diferentemente de todos os demais atuantes na esfera pública, dotado de um poder e autonomia irrestritos.

Publicidade

Esse cenário conduz ao agravamento da crise de confiança que – até muito em razão de campanhas forjadas de má fé e com base em fake news – vem marcando a atuação das Cortes nacionais.

Daí a constatação de fenômenos nada alvissareiros para a segurança jurídica e a própria democracia, que não raro redundam em descumprimento de decisões judiciais: conforme reportagem de publicada no Estado de São Paulo de 18 de janeiro de 2024[2], o maior plano de saúde do País viria apresentando altíssimos índices de descumprimento de liminares – os quais atingiram o insólito patamar entre sessenta e três e cem por cento de solene desconsideração das determinações judiciais.

Trata-se de cenário inadmissível, a ser a todo custo combatido, sob pena de comprometimento da legitimidade do próprio Estado.

E um caminho efetivo, eficaz e seguro é, ao nosso sentir, justamente a outorga de eficácia, efetividade e eficiência ao intricado sistema de freios de contrapesos traçado quando da estruturação do Estado brasileiro, em 1988, com o desenvolvimento – a conhecimento – da intrincada rede de freios e contrapesos em Judiciário.

[1] Disponível em https://www.transparencia.org.br/downloads/publicacoes/percentualdedivulgaoderemuneraesnopaineldocnjmai_2024.pdf

Publicidade

[2] https://www.estadao.com.br/saude/maior-plano-de-saude-do-pais-hapvida-notredame-e-investigada-por-se-negar-a-cumprir-liminares/

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Convidado deste artigo

Foto do autor Laura Mendes Amando de Barros
Laura Mendes Amando de Barrossaiba mais

Laura Mendes Amando de Barros
Doutora e mestre em Direito do Estado pela USP. Especialista em Direito Público pela Escola da Paulista da Magistratura e em Autoridades Locais e o Estado pela ENA-Paris. Ex-controladora-geral do Município de São Paulo. Professora do Insper. Foto: Inac/Divulgação
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.