A organização criminosa que se infiltrou na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e em outras unidades da PM a mando do PCC fincou três bases na corporação, uma delas no coração da tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo: uma com a missão de assassinar desafetos da facção, outra de inteligência e outra para fazer escoltas.
Alguns militares eram responsáveis pelo ‘cancelamento de CPFs’ - assassinatos de rivais e desafetos. Outros abasteciam a facção com informações privilegiadas sobre operações policiais. O terceiro grupo cuidava da segurança pessoal de faccionados, entre eles o delator Antônio Vinícius Gritzbach, fuzilado na tarde de 8 de novembro do ano passado no Aeroporto Internacional de São Paulo.
As informações constam de um inquérito administrativo da PM que descobriu como policiais da Rota vazavam informações para o PCC a fim de proteger seus integrantes de prisões e de eventuais prejuízos a seus ‘negócios’.
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Os grupos que se instalaram no quartel secular da Rota, uma notável construção de paredes amarelas da Avenida Tiradentes, na Luz, foram citados no pedido que a Corregedoria da PM enviou à Justiça de São Paulo para deflagração da operação que prendeu, na última quinta, 16, quinze policiais militares supostamente ligados ao PCC e envolvidos com a execução de Gritzbach. No sábado, 18, mais um militar, tenente da PM, foi preso em Osasco.
A logística da suposta quadrilha de policiais - com a divisão entre os núcleos operacional, de vazamentos e de seguranças - levou a Corregedoria a fundamentar o pedido de prisão de todos os suspeitos, a eles imputando o crime de organização criminosa.
Segundo a PM, ficou demonstrado que os agentes tinham fins criminosos - no caso, especificamente, os que faziam a escolta de Gritzbach.
“Todos sabiam para quem prestavam atividade de segurança, foram escolhidos para tal serviço por serem militares e valiam-se disto para encobrir e dar benefícios ao empresário em troca de dinheiro e favores (viagens, por exemplo)”, frisou a Corregedoria ao pedir a prisão dos agentes.
Segundo a Corregedoria, foi possível identificar uma “divisão ordenada de tarefas com objetivos previamente ajustados em torno dos crimes almejados pela organização, no caso dos militares, dar segurança e auxiliar na prática da lavagem de capitais perpetrada por Gritzbach, crime punido com pena máxima superior a quatro anos”.
Os corregedores apontam que os PMs fizeram um “ajuste criminoso” e discutiam em mensagens a “ilicitude” de suas ações. Na visão da Corregedoria, os PMs confessaram, nos diálogos recuperados, a prática de crimes em troca de dinheiro e benefícios.
“Mesmo sabendo que aquilo era declaradamente ilícito, diziam não se importar, não havendo como se falar em mera relação empregatícia”, aponta a Corregedoria.
A descoberta de PMs da agência de inteligência da Rota cooptados pela facção colocou em xeque todo o esquema de combate ao crime organizado no Estado. Durante anos, o grupo de Atuação especial e Combate ao crime Organizado (Gaeco) usava policiais da agência da Rota para fazer levantamentos de endereços de bandido, buscas e prisões em operações.
As revelações do inquérito são consideradas gravíssimas por integrantes do Ministério Público e ameaçam demolir uma estrutura que garante até mesmo a segurança de autoridades no Estado. Na PM, discute-se como a situação chegou a tal ponto sem que os comandantes do 1º Batalhão de Choque se dessem conta. Investigadores do caso afirmam que todos os envolvidos já forma transferidos da Rota para outras unidades.
PM quis ouvir traficante suspeito de fazer os pagamentos do PCC para os agentes da Rota
A Corregedoria foi até a Penitenciária Dr Paulo Luciano Campos, em Avaré - interior de São Paulo - para tomar o depoimento de um líder do PCC, um dos chefes da ‘Sintonia Restrita’ do PCC, sobre a morte de Gritzbach. A PM queria ouvir Valter Lima Nascimento, o Guinho, mas diligência acabou frustrada. Segundo o registro da oitiva, o faccionado disse que “não tinha interesse em contribuir com as investigações e se negou a assinar qualquer documento”. “Me sinto lisonjeado, mas não vou poder colaborar”, disse Guinho aos policiais que o procuraram.
Valter Lima Nascimento foi preso no início de 2023, quando seu nome constava na lista dos 15 traficantes mais procurados de São Paulo. Ele era considerado o braço direito de Fuminho, principal fornecedor de drogas para o PCC. Ele é apontado como o responsável por planejar um ousado plano de resgate do chefão da facção, o Marcola, que envolvia o uso de aeronaves, blindados e metralhadoras.
Guinho está decretado pela facção - há uma sentença de morte do PCC contra ele. Ele e outros bandidos teriam participado de uma videoconferência para discutir o sequestro de Moro. Um dos bandidos gravou o encontro e quando foi preso, o material caiu nas mãos do Ministério Público. Em razão do “vacilo”, dois dos participantes da reunião - Janeferson Aparecido Mariano Gomes, o Nefo, e Reginaldo Oliveira de Souza, o Rê - foram mortos perlo PCC em 17 de junho dentro da penitenciária 2 de Presidente Venceslau. Guinho só não teria morrido porque pediu “seguro” e está separado dos demais presos, em Avaré.
O faccionado preso em Avaré era o suspeito de fazer os pagamentos do PCC para o grupo de PMs da Rota. Tinha uma mesada que começou em 2021, depois que os PMs tiveram contato com a delação de Emilvaldo da Silva Santos, o BH. BH era da cúpula da facção e recebeu a missão de resgatar Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, da prisão. Como falhou, ele foi “decretado” pelo PCC. Em razão disso, após ser preso, concordou em assinar uma colaboração premiada e hoje está no programa de proteção á testemunhas.
Além de matar Gritzabach, policiais militares investigados teriam recebido a missão de localizar BH e entregá-lo ao PCC. Ao todo, os bandidos do PCC teriam colocado R$ 5 milhões à disposição dos PMs em troca das informações sobre as operações e da localização de BH.
A facção também teria encomendado para um PM dois assassinatos na zona leste de São Paulo - Galo Cego e Cabelo Duro. Ambos foram executados com dezenas de tiros de fuzil, em ações semelhantes à que vitimou Gritzbach no aeroporto de Guarulhos.
Os PMs também teriam recebido dinheiro para frustrar as prisões do traficante Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, e de Marcos Roberto de Almeida, o Tuta. Ambos estão na lista de beneficiários das informações vazadas pelos policiais investigados. Cebola era um dos líderes do tráfico de drogas do PCC enquanto Tuta era o responsável pela facção nas ruas. Cebola está foragido; Tuta, desaparecido.