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Corrupção no futebol: é preciso distinguir quem se vendeu para perder um jogo de quem recebeu para tomar um cartão

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Por Arthur Sodré Prado e Gustavo Parente Barbosa
Arthur Sodré Prado e Gustavo Parente Barbosa. Fotos: Divulgação  

A deflagração de novas fases da Operação Penalidade Máxima revela que o escândalo das apostas atingiu a elite do futebol brasileiro.

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Para além da imoralidade e do desrespeito aos clubes e torcedores, essas práticas caracterizam graves infrações desportivas. Porém, analisando os fatos sob o ponto de vista dos jogadores envolvidos, até agora é precipitado sustentar o cometimento de crimes, ou, ao menos, dos crimes atribuídos a eles na operação.

As informações divulgadas até o momento revelam que jogadores receberam altas cifras para ser punidos com cartões sem necessidade, ou para que cometessem pênaltis, favorecendo determinados apostadores em sites de apostas. O Ministério Público considerou isso como atos de corrupção esportiva.

No entanto, esse crime acontece, em linhas gerais, quando alguém paga, oferece, solicita ou recebe uma propina (aqui o detalhe que faz toda a diferença) para alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva ou evento a ela associado. Se alguém recebe para perder o jogo, pratica crime. Mas nesses casos não se estava apostando o resultado de um campeonato ou uma partida. Os cartões, quando muito, são um dos últimos critérios de desempate, e não foi para isso que se deu esse pagamento de propinas, foi para que as pessoas ganhassem apostas. O penal pode ser defendido, e quem assiste futebol sabe como não é tão frequente convertê-lo.

O direito é interpretado assim, com o regulamento na mão: se não interferiu e nem tentou interferir diretamente no resultado, não é corrupção esportiva. Do contrário, arriscaríamos pedir a prisão do jogador que recebeu para usar uma chuteira péssima. Ele sabe que com ela jogará mal, prejudicará seus companheiros e seu clube, mas nem por isso se pode confundir com quem recebe para perder um jogo.

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Há diversos aspectos que ainda podem ser discutidos. Com o avanço das investigações, é possível que se descubra novos fatos ou novas circunstâncias (já se divulgou notícias sobre um primeiro caso de fraude no resultado da partida). Mas, até o momento, vale o cuidado que já deveríamos ter quando lemos notícias sobre operações grandiosas. Quando a pressa atropela o direito, os casos acabam nos arquivos. Isso não significa defender a impunidade. O Regulamento Geral das Competições da CBF vai ao detalhe e considera tais casos como um meio de influenciar, ainda que indiretamente, as partidas, ou seja: é possível punir os eventuais culpados, no âmbito esportivo, e afastá-los das competições. O critério aqui defendido só dá aos casos uma solução mais justa: quem prejudicou os companheiros, o clube e os torcedores com um cartão, pode ser afastado do futebol; quem recebeu para perder um jogo pode ser preso.

A leitora e o leitor podem se perguntar: e todas as pessoas que deram os palpites corretos e não ganharam por conta da manipulação? Infelizmente, como ainda não há normas regulamentando essas apostas no Brasil, o apostador que colocou o seu dinheiro em um site hospedado fora do país não poderá contar com as autoridades criminais brasileiras para recompor as suas perdas.

Quantos aos times, olhando para trás, é hora de checar os contratos de trabalho e tomar as medidas cabíveis para reparar os danos que podem ter sofrido no âmbito dos campeonatos. Mirando o futuro, o momento é propício para criar canais de comunicação com os jovens jogadores para permitir que os atletas exponham o aliciamento aos clubes sem receio de represálias.

*Arthur Sodré Prado, mestrado em Direito pela FGV/SP, especialização em Direito Penal Econômico pela mesma instituição. Advogado

*Gustavo Parente Barbosa, LL.M. pela Université de Fribourg/Suíça, especialização em Direito Penal Econômico pela FGV/SP. Advogado

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