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Opinião | Corrupção sistêmica

Não é fácil penetrar no pensamento de Lumann, o sociólogo alemão que desenvolveu a teoria da sociedade como um sistema autopoiético, ou seja, aquele que tem capacidade de comunicação somente dentro do próprio sistema

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convidado
Por José Renato Nalini

Participei da Banca de Arguição de Doutorado de Tiago de Lima Almeida, orientando do Professor Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga na PUC-SP.

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A tese “A corrupção sistêmica do Direito e a Operação Lava-Jato: Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann aplicada” é uma visão bem instigante daquilo que aconteceu no Brasil quando surgiu a chamada “República de Curitiba”, que acabou com a condenação e prisão do atual Presidente da República.

O tema é polêmico e suas sequelas ainda não cicatrizaram. A elaboração acadêmica trouxe o enquadramento da Operação à Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, que foi professor de Gilmar Mendes, quando o atual Ministro do STF estudou na Alemanha.

Não é fácil penetrar no pensamento de Lumann, o sociólogo alemão que desenvolveu a teoria da sociedade como um sistema autopoiético, ou seja, aquele que tem capacidade de comunicação somente dentro do próprio sistema. O direito só consegue operar dentro de padrões do próprio direito. Para o doutorando, a Operação Lava-Jato pecou porque se valeu de códigos da economia e da política, escapando ao código estritamente jurídico.

Texto bem elaborado, com algumas críticas tecidas ao Judiciário. Para o doutorando, “com a justificativa de aproximação do Judiciário dos processos sociais, não podem os juízes, aos seus livres arbítrios, deixarem de aplicar a lei para priorizarem os códigos políticos, econômicos, religiosos ou morais, sob pena de comprometerem a integridade do sistema do direito”. É impossível deixar de concordar, de início, com o asserto. Mas para mim, que estive no sistema Justiça por quase meio século, o problema deriva de uma Constituição analítica e abrangente. A Constituição da República de 1988 é uma das maiores do planeta. Está prenhe de conceitos abertos e indeterminados, que vai repercutir na legislação infraconstitucional, também inundada de conceitos difusos, abertos e imprecisos. O aplicador da Constituição e da lei se vê obrigado a fazer um delicado exercício hermenêutico. E visões como a do chamado neoconstitucionalismo ainda consolidam essa prática. O Brasil é a “República da hermenêutica”. Encontra-se resposta para todas as questões, muitas delas antagônicas entre si. Mas é assim que funciona o bizarro sistema de uma Justiça de quatro instâncias, com um caótico sistema recursal, que pode propiciar reexame infindável da mesma questão, mediante o uso esperto de institutos como o dos embargos de declaração.

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Questionei o erudito ora neo-doutor, sobre os paradoxos brasileiros: violência crescente, exclusão, miséria. Crescimento excessivo dos moradores de rua. Em convívio com pleitos de uma polícia mais violenta, com redução da maioridade penal, criação de novos tipos penais, pena de morte e vigoroso brado de “não” à sensação de impunidade.

A tese de Tiago de Lima Almeida aborda a Democracia representativa, fala em Democracia Agônica, Democracia delegativa transformadora, haurindo lições do professor de que é assistente e que também integrou a banca, Celso Fernandes Campilongo, hoje Diretor da Faculdade de Direito da USP. Mas não mencionou a Democracia Participativa, que foi um aceno do constituinte de 1988 e que até o momento não se instaurou. Culpa de quem?

Afirma o neófito portador do título de Doutor em Direito que “o direito é o símbolo visível da solidariedade social”. Será que é isso que o cidadão comum pensa do ordenamento jurídico de sua terra e das profissões do direito encarregadas de concretizar, no dia a dia, essa simbologia?

Muito eloquente o aprofundado estudo do doutorando sobre a autopoiese de Luhmann, para explicar o episódio “Lava-Jato”. Que venha logo o livro, para que os leitores possam dialogar sobre essa provocação acadêmica. É óbvio que a tese foi aprovada, por unanimidade, pelos demais examinadores: José Eduardo Martins Cardozo e o mestre luso Rui Cunha Martins. Há muito questionamento a ser feito a respeito dessa insólita leitura do episódio que marcou o Brasil e que suscitou tanta perplexidade, não só no mundo jurídico, mas no político, econômico e social.

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da UNIREGISTRAL, docente da pós-graduação da UNINOVE e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão
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